sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Fallen: Capítulo 8 "Um mergulho fundo demais"

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Quando Luce atendeu à batida em sua porta na manhã de sábado, Penn caiu em seus braços.
— Era de se esperar que eu aprendesse algum dia que as portas abrem pra dentro — ela desculpou-se, ajeitando seus óculos. — Tenho que me lembrar de parar de me inclinar nos olhos mágicos. Belo local, a propósito — ela acrescentou, olhando ao redor. Ela cruzou até a janela sobre a cama de Luce. — Não é uma má vista, fora as barras e tudo.
Luce ficou de pé atrás dela, olhando para o cemitério e, a plena vista, o carvalho vivo onde ela fizera o piquenique com Cam. E, invisível daqui, mas claro em sua cabeça, o lugar onde ela ficara esmagada sob a estátua com Justin. O anjo vingador que tinha desaparecido misteriosamente após o acidente.
Lembrando-se dos olhos preocupados de Justin quando ele tinha sussurrado seu nome naquele dia, o toque próximo de seus narizes, o jeito como ela tinha sentido as pontas dos dedos dele em seu pescoço – tudo isso a fazia se sentir quente. E patética.
Ela suspirou e se afastou da janela, percebendo que Penn tinha se movido também. Ela estava pegando coisas da mesa de Luce, dando a cada uma das posses de Luce um exame detalhe cuidadoso. O peso de papel da Estátua da Liberdade que seu pai tinha trazido de uma conferência na Universidade de Nova York, a foto de sua mãe com um permanente hilário de tão ruim quando ela tinha aproximadamente a idade de Luce, o CD de Lucinda Williams que Callie tinha lhe dado como presente de partida antes mesmo que Luce tivesse ouvido o nome Sword & Cross.
— Onde estão os seus livros? — ela perguntou a Penn, querendo desviar de uma viagem pela rua das lembranças. — Você disse que estava vindo estudar.
Nessa hora, Penn tinha começado a remexer em seu guarda-roupa. Luce observou enquanto ela rapidamente perdia interesse nas variações do estilo de camisetas e suéteres pretos do código de vestimenta. Quando Penn se moveu na direção das gavetas de sua penteadeira, Luce deu um passo para frente para interceptar.
— Está bem, isso é o bastante, bisbilhoteira. Não tem uma pesquisa que devíamos estar fazendo sobre as árvores genealógicas?
— Falando em bisbilhotar — os olhos de Penn cintilaram. — Sim, há uma pesquisa que deveríamos estar fazendo. Mas não a que você está pensando.
Luce encarou-a inexpressivamente.
— Hein?
— Olha — Penn colocou sua mão no ombro de Luce. — Se você realmente quiser saber sobre Justin Bieber...
— Shhh! — Luce sibilou, pulando para fechar sua porta.
Ela enfiou sua cabeça no corredor e escaneou a cena. A barra parecia limpa – mas isso não significava nada. As pessoas nessa escola tinham uma maneira suspeita de aparecer do nada. Cam em particular. E Luce morreria se ele – ou qualquer um – descobrisse o quanto ela estava enamorada pelo Justin. Ou, a essa altura, qualquer um, exceto a Penn.
Satisfeita, Luce fechou e trancou a porta e se virou para sua amiga. Penn estava sentada de pernas cruzadas na beira da cama de Luce. Ela parecia divertida.
Luce prendeu suas mãos atrás de suas costas e afundou seus dedos no tapete vermelho circular perto de sua porta.
— O que te faz achar que eu quero saber algo sobre ele?
— Me dá um tempo — Penn respondeu, rindo. — A, é totalmente óbvio que você encara o Justin Bieber o tempo todo.
— Shhh! — Luce disse novamente.
— B — Penn continuou, não abaixando sua voz — eu te observei persegui-lo online por uma aula inteira no outro dia. Me processa – mas você estava sendo totalmente descarada. E C, não fique toda paranoica. Você acha que eu fofoco com alguém nessa escola além de você?
Penn tinha mesmo razão.
— Só estou dizendo — ela continuou — assumindo que, hipoteticamente, você quisesse saber mais sobre uma certa pessoa sem nome, você podia concebivelmente procurar numa árvore mais frutífera — Penn deu de ombros. — Sabe, se você tivesse ajuda.
— Estou escutando — Luve falou, afundando na cama.
Sua pesquisa na internet no outro dia se resumira a digitar, então deletar, então digitar novamente o nome de Justin no campo de pesquisa.
— Esperava que você dissesse isso. Eu não trouxe livros comigo hoje porque eu vou te dar — ela arregalou seus olhos patetamente — uma excursão guiada no covil subterrâneo altamente fora dos limites do escritório de registros da Sword & Cross!
Luce fez careta.
— Eu não sei. Espiar os arquivos do Justin? Não sei preciso de outra razão para me sentir como uma perseguidora louca.
— Haha. E sim, você acabou de dizer isso em voz alta. Vamos, Luce. Será divertido. Além do mais, o que mais você vai fazer numa manhã perfeitamente ensolarada de sábado?
Era um belo dia – precisamente o tipo de belo que fazia você se sentir solitária se não tivesse nada divertido planejado ao ar livre. No meio da noite, Luce sentira um vento frio pela sua janela aberta, e quando ela acordara essa manhã, o calor e a umidade não tinham desaparecido.
Ela costumava passar esses preciosos dias do começo do outono andando na trilha de bicicleta da vizinhança com seus amigos. Isso fora antes de ela começar a evitar a trilha da floresta por causa das sombras que nenhuma das outras garotas via. Antes que seus amigos a fizessem se sentar durante o recesso e disseram que seus pais não queriam mais que eles a convidassem para ir em suas casas, no caso dela ter um incidente.
A verdade era que Luce tinha ficado um pouco em pânico sobre como passaria esse primeiro final de semana na Sword & Cross. Nada de aulas, nada de exames físicos aterrorizantes, nada de eventos sociais na lista. Somente quarenta e oito horas intermináveis de tempo livre. Uma eternidade. Ela tinha tido uma sensação enjoada de saudades de casa a manhã toda – até Penn aparecer.
— Está bem — Luce tentou não rir quando disse — me leve ao seu covil secreto.
Penn praticamente saltitava enquanto levava Luce pela grama esmagada da área comum até o salão principal perto da entrada da escola.
— Você não sabe quanto tempo eu esperei em trazer um parceiro no crime aqui embaixo comigo.
Luce sorriu, feliz que Penn estava mais focada em ter uma amiga com quem explorar do que estava em, bem, essa... coisa que Luce tinha por Justin.
No fim da área comum, eles passaram por alguns garotos descansando nas arquibancadas no claro sol de tarde da manhã. Era estranho ver cor no campus, naqueles estudantes que Luce identificava tanto com a cor preta. Mas lá estava Roland com um short de futebol verde-limão, driblando uma bola entre seus pés. E Gabbe com sua blusa roxa abotoada. Jules e Phillip – o casal das línguas furadas – estavam desenhando nos joelhos dos jeans desbotados um do outro. Todd Hammond sentava-se distante do resto dos garotos nas arquibancadas, lendo uma história em quadrinhos com uma camiseta de camuflagem. Até mesmo a regata e o short cinza de Luce pareciam mais vibrantes do que qualquer coisa que ela tinha usado a semana toda.
A Treinadora Diante e a Albatroz estavam cuidando do gramado e tinham colocado duas cadeiras de jardim de plástico e um guarda-sol desconjuntado no fim da área comum. Tirando a parte quando apagavam seus cigarros na grama, elas podiam estar dormindo por trás de seus óculos de sol escuros. Elas pareciam absolutamente entediadas, tão aprisionadas por seus trabalhos quanto os acusados que estavam monitorando.
Havia muitas pessoas na área comum, mas enquanto ela seguia perto de Penn, ela ficou feliz de ver que não havia ninguém perto do salão principal. Ninguém tinha dito nada para Luce sobre passar dos limites de áreas restritas, ou mesmo quais áreas eram restritas, mas ela tinha certeza que Randy encontraria uma punição apropriada.
— E quanto aos vermelhos? — Luce perguntou, se lembrando das câmeras onipresentes.
— Eu simplesmente coloquei umas baterias descarregadas em algumas dela no caminho até seu quarto — Penn respondeu, no mesmo tom de voz indiferente que outra pessoa usaria para dizer “Eu acabei de encher o carro com gasolina.”
Penn deu um olhar perscrutador ao redor antes de dirigir Luce para a entrada traseira do prédio principal e por três degraus íngremes para baixo para uma porta de cor azeitonada não visível do nível do solo.
— Esse porão é da época da Guerra da Secessão também? — Luce perguntou.
Parecia uma entrada para o tipo de lugar onde você dava para esconder alguns prisioneiros de guerra. Penn deu uma cheirada longa e dramática no ar úmido.
— A ponta de mal cheiro responde a sua pergunta? Isso aqui é um mofo anterior à guerra. — Ela sorriu sarcasticamente para Luce. — A maioria dos estudantes se ajoelharia pela chance de inalar um ar tão célebre.
Luce tentou não respirar pelo nariz enquanto Penn pegava um amontoado de chaves seguradas por uma passadeira gigante digno de loja de ferragens.
— Minha vida seria tão mais fácil se eles fizessem uma chave mestra para esse lugar — ela comentou, procurando no sortimento e finalmente puxando uma fina chave de prata.
Quando a chave virou na fechadura, Luce sentiu um tremor inesperado de animação. Penn estava certa – isso era muito melhor do que mapear nossa árvore genealógica.
Elas andaram uma pequena distância num corredor quente e úmido cujo teto era apenas alguns centímetros mais alto que suas cabeças. O ar cheirava como se algo tivesse morrido ali, e Luce ficou quase feliz pelo cômodo ser escuro demais para ver claramente o chão. Bem quando ela estava começando a se sentir claustrofóbica, Penn pegou outra chave que abria uma porta pequena, mas muito mais moderna. Elas mergulharam nela, então foram capazes de ficar de pé no outro lado.
Dentro, o escritório de registros fedia a mofo, mas o ar parecia muito mais frio e seco. Estava negro como breu, exceto pelo brilho vermelho fraco do sinal de SAÍDA sobre suas cabeças.
Luce conseguia distinguir a silhueta robusta de Penn, suas mãos tateando o ar.
— Onde está aquela corda? — ela resmungou. — Aqui.
Com um empurrão gentil, Penn ligou uma lâmpada incandescente descoberta, pendurada no teto por uma corrente de elos de metal. O cômodo ainda estava turvo, mas agora Luce conseguia ver que as paredes de cimento também estavam pintadas de verde oliva e alinhadas com pesadas prateleiras de metal e fichários. Dúzias de caixas de papelão tinham sido entulhadas nas prateleiras, e as fileiras entre os fichários parecia se esticar para sempre. Tudo estava coberto por um feltro espesso de poeira. A luz do sol do lado de fora repentinamente parecia muito distante.
Mesmo Luce sabendo que eles estavam apenas a uma escadaria do chão, podia muito bem ser a um quilômetro. Ela roçou seus braços nus. Se fosse uma sombra, esse porão era exatamente onde ela estaria. Não havia sinais delas ainda, mas Luce sabia que isso não era uma razão boa o bastante para se sentir segura.
Penn, inabalada pela melancolia do porão, arrastou uma banqueta com degrau do canto.
— Uau — ela disse, puxando-o atrás de si enquanto andava. — Algo está diferente. Os registros costumavam ficar bem aqui... Eu acho que eles fizeram uma limpezinha geral desde a última vez que eu me intrometi aqui.
— Há quanto tempo foi isso? — Luce perguntou.
— Cerca de uma semana...
A voz de Penn diminuiu enquanto ela desaparecia na escuridão atrás de um fichário alto.
Luce não conseguia imaginar para que a Sword & Cross poderia precisar de todas essas caixas. Ela levantou uma tampa e puxou um arquivo espesso etiquetado MEDIDAS CORRETIVAS. Ela engoliu secamente. Talvez fosse melhor que ela não soubesse.
— Está em ordem alfabética por estudante — Penn explicou. Sua voz soava abafada e distante. — F, G, H, I, J... aqui estamos nós, Justin Drew Bieber.
Luce seguiu o som de papelada farfalhando por uma fileira estreita e logo encontrou Penn com uma caixa apoiada em seus braços, lutando sob seu peso. O arquivo de Justin estava enfiado sob seu queixo.
— É tão fino — ela disse, levantando seu queixo ligeiramente para que Luce pudesse pegá-lo. — Normalmente, há muito mais, hum...
Ela olhou para cima para Luce e mordeu seu lábio.
— Está bem, agora eu soo como uma perseguidora maluca. Vamos simplesmente ver o que tem dentro.
Havia apenas uma única página no arquivo de Justin. Uma cópia em preto e branco do que deveria ter sido sua foto da carteirinha de estudante estava colada no alto do canto direito. Ele estava olhando diretamente para a câmera, para Luce, um sorriso desbotado em seus lábios. Ela não conseguiu evitar sorrir de volta. Ele parecia exatamente o mesmo que naquela noite quando... bem, ela não conseguia pensar exatamente quando. A imagem de sua expressão estava tão penetrante em sua mente, mas ela não conseguia reconhecer onde ela a havia visto.
— Deus, ele não parece exatamente o mesmo? — Penn interrompeu os pensamentos de Luce. — E olhe a data. Essa foto foi tirada há três anos quando ele veio para Sword & Cross.
Devia ser isso que Luce estivera pensando... que Justin parecia o mesmo de agora. Mas ela sentira que estivera pensando – ou prestes a pensar – em algo diferente, só que agora ela não conseguia se lembrar o que era.
— Pais: desconhecidos — Penn leu, com Luce inclinando-se sobre seu ombro. — Guardião: Orfanato do Condado de Los Angeles.
— Orfanato? — Luce perguntou, pressionando sua mão em seu coração.
— É só isso que tem. Todo o resto listado aqui é o seu...
— Histórico criminal — Luce terminou, lendo adiante. — Vagabundear em um banco público... vandalismo com um carrinho de compras... andar fora da faixa.
Penn alargou seus olhos para Luce e engoliu uma risada.
— Justin Bieber foi preso por andar fora da faixa? Admita, isso é engraçado.
Luce não gostava de imaginar Justin sendo preso por nada. Ela gostava ainda menos que, de acordo com a Sword & Cross, a vida inteira dele somava um pouco mais do que uma lista de contravenções. Todas essas caixas de papelada aqui embaixo, e isso era tudo que tinha sobre o Justin.
— Tem que ter mais.
Passos acima. Os olhos de Luce e Penn foram para o teto.
— O escritório principal — Penn sussurrou, puxando um lenço de papel de dentro de sua manga para assoar seu nariz. — Pode ser qualquer um. Mas ninguém irá descer aqui, confie em mim.
Um segundo mais tarde, uma porta bem nos fundos dentro do cômodo abriu rangendo, e uma luz de um corredor iluminou a escadaria. Um som de sapatos começou a descer.
Luce sentiu o aperto de Penn nas costas de sua camiseta, puxando-a contra a parede atrás de um estante de livros. Elas esperaram, segurando suas respirações e apertando o arquivo de Justin pego ilegalmente em suas mãos. Elas foram tão, tão pegas no flagra.
Luce estava com seus olhos fechados, esperando o pior, quando um cantarolar assombroso e melódico encheu o cômodo. Alguém estava cantando.
— Doooo da da da dooo — uma voz feminina sussurrava suavemente.
Luce suspendeu seu pescoço entre duas caixas de arquivos e conseguiu ver uma mulher magra mais velha com uma pequena lanterna presa em sua testa como um minerador. Senhorita Sophia. Ela carregava duas caixas largas, uma empilhada em cima da outra, assim a única parte dela que estava visível era sua testa brilhante. Seus passos aéreos faziam parecer como se as caixas estivessem cheias de penas ao invés de arquivos pesados.
Penn agarrou a mão de Luce enquanto elas observavam a Senhorita Sophia colocar as caixas de arquivos numa prateleira vazia. Ela tirou uma caneta para escrever algo em seu caderno.
— Só mais algumas — ela disse, então algo baixinho que Luce não conseguiu ouvir.
Um segundo mais tarde, a Senhorita Sophia deslizava de volta pela escada, indo embora tão rapidamente quanto tinha aparecido. Seu cantarolar permaneceu por apenas um instante em seu rastro.
Quando a porta fechou, Penn soltou um trago enorme de ar.
— Ela disse que tinham mais. Ela provavelmente vai voltar.
— O que fazemos? — Luce perguntou.
— Você escapa pela escada — Penn respondeu, apontando. — Vira a esquerda no alto e estará bem no escritório principal. Se alguém te ver, você pode dizer que estava procurando um banheiro.
— E quanto a você?
— Eu guardarei o arquivo do Justin e te encontrarei na arquibancada. A Senhorita Sophia não ficará desconfiada se ver apenas eu. Eu fico tanto aqui embaixo que é como um segundo dormitório.
Luce espiou o arquivo de Justin com uma pontadinha de arrependimento. Ela ainda não estava pronta para ir embora. Bem na hora que ela tinha se resignado a checar o arquivo de Justin, ela também começou a pensar no do Cam. Justin era tão oculto – e infelizmente, seu arquivo também. Cam, por outro lado, parecia tão aberto e fácil de ler que a deixava curiosa. Luce se perguntou o que mais ela seria capaz de descobrir sobre ele que ele não dividiria de outra forma.
Mas uma olhada no rosto de Penn a disse que elas já estavam com tempo curto demais.
— Se houver mais para acharmos sobre o Justin, acharemos — Penn a assegurou. — Vamos continuar procurando. — Ela deu um pequeno empurrão em Luce na direção da porta. — Agora, vá.
Luce se movia rapidamente pelo grosseiro corredor, então abriu uma porta até a escada. O ar na base da escada ainda estava úmido, mas ela conseguia senti-lo clarear um pouco com cada passo que dava. Quando finalmente curvou a esquina no alto da escada, teve que piscar e esfregar seus olhos para se reajustar à brilhante luz do sol inundando o corredor. Ela tropeçou na esquina e pelas portas pintadas de branco até o salão principal. Lá ela congelou.
Duas botas pretas de salto agulha, cruzadas nos tornozelos, estavam apoiadas em cima e para fora de uma cabine telefônica, parecendo muito a Bruxa Má do Sul. Luce se apressava na direção da porta dianteira, esperando não ser avistada, quando ela percebeu que as botas de salto agulha estavam presas a uma legging de pele de cobra, que estava presa a uma Molly não-sorridente. A pequenina câmera de prata descansava em sua mão. Ela levantou seus olhos para Luce, desligou o telefone em seu ouvido, e ficou de pé no chão.
— Por que você parece tão culpada, Bolo de Carne? — ela perguntou, ficando de pé com suas mãos em seus quadris. — Deixe-me adivinhar. Você ainda está planejando ignorar a minha sugestão de ficar longe do Justin.
Todo o negócio de monstro malvado tinha que ser uma atuação. Não tinha jeito da Molly saber onde Luce acabara de estar. Ela não sabia nada sobre a Luce. Ela não tinha razão para ser tão má. Desde o primeiro dia de escola, Luce nunca fizera nada para Molly – exceto tentar ficar longe dela.
— Você está se esquecendo que desastre infernal foi da última vez que você tentou se forçar sobre um cara que não estava interessado? — A voz de Molly estava tão afiada quanto uma faca. — Qual é mesmo o nome dele? Taylor? Truman?
Trevor. Como é que a Molly podia saber sobre o Trevor? Era isso, seu segredo mais profundo e sombrio. A única coisa que Luce queria – precisava – manter em segredo na Sword & Cross. Agora, não só o Mal Encarnado sabia sobre tudo isso, como ela não sentia vergonha alguma em mencionar isso, cruel, arrogantemente – no meio do escritório principal da escola.
Era possível que Penn mentira, que Luce não era a única pessoa com quem ela dividia seus secretos de escritório? Havia alguma outra explicação lógica? Luce prendeu seus braços sobre seu peito, sentindo-se enojada e exposta... e inexplicavelmente culpada como se sentira na noite do incêndio.
Molly inclinou sua cabeça.
— Finalmente — ela disse, soando aliviada. — Algo te atingiu.
Ela virou suas costas para Luce e empurrou a porta dianteira. Então, logo antes dela vaguear para fora, ela torceu seu pescoço e olhou para Luce.
— Então não faça com o querido Justin o que você fez com o qual-o-nome-dele. Capiche?
Luce começou a ir atrás dela, mas só deu alguns passos para fora da porta antes de perceber que provavelmente explodiria se tentasse confrontar Molly agora. A garota era simplesmente cruel demais. Então, esfregando sal na ferida de Luce, Gabbe trotou da arquibancada para encontrar Molly no meio do campo. Elas estavam longe o bastante que Luce não conseguia distinguir suas expressões quando ambas se viraram para olhar para ela. A cabeça da loira com rabo-de-cavalo levantou-se na direção da com corte de fadinha e preto – a conversa a dois mais odiosa que Luce já tinha visto.
Ela curvou seus punhos suados juntos, imaginando Molly despejando tudo que sabia sobre Trevor para Gabbe, que imediatamente correria para transmitir as noticias para o Justin. Pensando isso, uma dor enjoativa se espalhou dos dedos da Luce, pelos seus braços, e em seu peito. Justin podia ter sido pego andando fora da faixa, mas e daí? Era nada comparado pelo que Luce estava aqui.
— Cuidado com a cabeça! — uma voz chamou.
Essa sempre fora a coisa menos favorita de Luce de se ouvir. Equipamentos esportivos de todos os tipos tinham de jeito estranho de descontrolarem bem nela. Ela recuou, olhando para cima diretamente para o sol. Ela não conseguia ver nada e nem teve tempo de cobrir seu rosto antes de sentir um golpe contra a lateral de sua cabeça e ouvir um thwunk alto tocando em seus ouvidos. Ai.
A bola de futebol do Roland.
— Boa!
Roland gritou enquanto a bola viajava diretamente de volta para ele. Como se Luce tivesse tido a intenção de fazer isso. Ela esfregou sua testa e deu alguns passos vacilantes. Uma mão ao redor de seu punho. Uma faísca de calor que a fez arfar. Ela olhou para baixo para ver dedos brancos ao redor de seu braço, então para cima para os olhos cor de mel profundos de Justin.
— Você está bem? — ele perguntou.
Quando ela assentiu, ele levantou uma sobrancelha.
— Se queria jogar futebol, podia ter dito. Eu ficaria feliz de explicar alguns detalhes do jogo, como a maioria das pessoas usa partes do corpo menos delicadas para retornar um chute.
Ele soltou seu punho, e Luce achou que ele estava esticando a mão na direção dela, para acariciar o lado dolorido de seu rosto. Por um segundo, ela ficou parada lá, segurando sua respiração. Então seu peito desmoronou quando a mão de Justin afastou-se para escovar seu próprio cabelo para longe de seus olhos.
Foi quando Luce percebeu que Justin estava zoando dela.
E por que não deveria? Provavelmente devia haver uma impressão de uma bola de futebol na lateral de seu rosto.
Molly e Gabbe ainda encaravam – e agora Justin – com seus braços cruzados sobre seus peitos.
— Acho que a sua namorada está ficando com ciúmes — Luce falou, gesticulando para o par.
— Qual delas? — ele perguntou.
— Eu não percebi que ambas eram suas namoradas.
— Nenhuma é minha namorada — ele disse simplesmente. — Eu não tenho namorada. Quis dizer, qual delas achou que fosse minha namorada?
Luce estava estupefata. E quanto a toda a conversa sussurrada com a Gabbe? E quanto ao jeito que as garotas estavam olhando para eles agora? Justin estava mentindo? Ele estava olhando para ela de um jeito estranho.
— Talvez você tenha batido sua cabeça mais forte do que pensei. Vamos, vamos dar uma volta, respirar um pouco de ar.
Luce tentou localizar a piada depreciadora na última sugestão de Justin. Ele estava dizendo que ela era uma cabeça de vento que precisava de mais ar? Não, isso nem mesmo fazia sentido. Ela olhou para ele. Como ele podia parecer tão ingenuamente sincero? E bem quando ela estava se acostumando à rejeição de Bieber.
— Onde? — Luce perguntou cuidadosamente.
Porque seria fácil demais se sentir regozijada agora sobre o fato de Justin não ter uma namorada, sobre ele querer ir a algum lugar com ela. Tinha que ter uma pegadinha.
Justin meramente espremeu seus olhos para as garotas do outro lado do campo.
— Algum lugar onde não seremos observados.
Luce dissera a Penn que a encontraria na arquibancada, mas haveria tempo para explicar mais tarde, e é claro que Penn entenderia. Luce deixou Justin guiá-la pelo olhar examinador das garotas e pela alameda de pessegueiros parcialmente apodrecidos, nos fundos da antiga igreja-ginásio. Eles estavam vindo por uma floresta de carvalhos vivos lindamente retorcidos, que Luce nunca adivinharia que estavam escondidos lá. Justin olhou para trás para se certificar que ela estava acompanhando. Ela sorriu como se segui-lo não fosse nada demais, mas enquanto ela tomava seu caminho pelas velhas raízes nodosas, não conseguia evitar pensar nas sombras.
Agora ela estava entrando no bosque, a escuridão sob a grossa folhagem furada de vez em quanto por uma pequena coluna de luz do sol acima. O fedor de lama rica e úmida encheu o ar, e Luce repentinamente soube que havia água por perto.
Se ela fosse o tipo de pessoa que rezasse, seria agora que ela rezaria para as sombras ficarem distantes, simplesmente pela fatia de tempo que ela tinha com Justin, para que ele não tivesse que ver como ele ficava maluco as vezes. Mas Luce nunca rezara. Ela não sabia como. Ao invés, ela simplesmente cruzou seus dedos.
— A floresta se abre bem aqui — Justin disse.
Eles tinham chegado numa clareira, e Luce arfou estupefata.
Algo tinha mudado enquanto ela e Justin andavam pela floresta, algo mais do que simplesmente a mera distância da Sword & Cross colorida por calmaria.
Porque quando eles saíram das árvores e ficaram parados nessa pedra alta e vermelha, era como se estivessem parados no meio de um cartão postal, do tipo que girava ao redor de uma prateleira de metal de uma farmácia de cidade pequena, uma imagem sonhadora de um sul idílico que não existia mais. Cada cor em que os olhos de Luce caíam era brilhante, mais clara do que tinha sido há um momento. Do lago azul cristalino logo abaixo deles até a floresta esmeralda densa cercando-os. Duas gaivotas voando em inclinação no céu claro acima. Quando ela ficou na ponta dos pés, conseguiu ver o começo de um pântano salgado de cor marrom-amarelada, um que ela sabia que cedia para um oceano de espuma branca em algum lugar no horizonte invisível.
Ela olhou para cima para Justin. Ele parecia brilhante também. Sua pele estava dourada nessa luz, seus olhos brilhavam muito. A sensação deles em seu rosto era uma coisa pesada e notável.
— O que você acha? — ele perguntou.
Ele parecia tão mais relaxado agora que estavam longe de todos os outros.
— Eu nunca vi algo tão maravilhoso — ela escaneou a superfície intacta do lago, sentindo a vontade de mergulhar. A cerca de quinze metros na água estava uma pedra larga, chata e coberta por musgo. — O que é isso?
— Vou te mostrar — Justin disse, chutando seus sapatos.
Luce tentou sem sucesso não encarar quando ele puxou sua camiseta pela sua cabeça, expondo seu torso musculoso.
— Vamos — ele disse, fazendo ela perceber como ela devia ter parecia enraizada no lugar. — Você pode nadar naquilo — ele acrescentou, apontando para sua regata seu short cinza. — Eu até te deixarei vencer dessa vez.
Ela riu.
— Contra o quê? Todas aquelas vezes que eu te deixei vencer?
Justin começou a assentir, então se parou abruptamente.
— Não. Desde que você perdeu na piscina no outro dia.
Por um segundo, Luce teve vontade de dizer a ele por que tinha perdido. Talvez eles pudessem rir sobre todo o mal-entendido da Gabbe-ser-sua-namorada. Mas então os braços de Justin estavam sobre sua cabeça e ele estava no ar, arqueando e então caindo, mergulhando no lago com um respingo perfeito.
Era uma das coisas mais bonitas que Luce já tinha visto. Ele tinha uma graça como nenhuma outra que ela já tinha testemunhado antes. Até mesmo o respingo que ele fizera deixou um toque adorável em seus ouvidos.
Ela queria estar lá com ele. Tirou seus sapatos e os deixou na margem da magnólia perto de Justin, então ficou de pé na beirada da pedra. A queda foi a cerca de sete metros, o tipo de mergulho alto que sempre fizera o coração de Luce pular uma batida. De um jeito bom.
Um segundo mais tarde, sua cabeça apareceu acima da superfície. Ele estava sorrindo, mantendo a cabeça acima d’água sem se mover.
— Não me faça mudar de ideia sobre deixar você vencer — ele chamou.
Tomando um fôlego profundo, ela mirou seus dedos sobre a cabeça de Justin e se empurrou em um alto mergulho de cisne. A queda durou apenas uma fração de segundo, mas era a sensação mais deliciosa, velejar pelo ar ensolarado, para baixo, baixo, baixo.
Splash. A água estava chocantemente fria no começo, então ideal um segundo mais tarde. Luce subiu à superfície para recuperar seu fôlego, deu uma olhada em Justin, e começou seu nado borboleta.
Ela se impulsionou tão forte que o perdeu. Ela sabia que estava se mostrando e esperava que ele estivesse observando. Ela ficou mais e mais perto até que sua mão bateu na pedra – um instante antes de Justin.
Ambos arfavam enquanto se rebocavam na superfície chata e aquecida pelo sol. Sua beirada era escorregadia por causa do musgo, e Luce teve dificuldade em se firmar. Justin não teve problema em escalar a pedra, contudo. Ele se esticou e deu-lhe uma mão, então puxou-a para cima para onde ela podia colocar uma perna sobre a lateral.
Quando ela se suspendeu completamente para fora da água, ele estava deitado de costas, quase seco. Só seu short revelava qualquer indício que ele estivera no lago. Por outro lado, as roupas molhadas de Luce prendiam em seu corpo, e seu cabelo estava pingando por tudo. A maioria dos caras teria agarrado a oportunidade de olhar provocativamente para uma garota pingando, mas Justin recostou-se na pedra e fechou seus olhos, como se estivesse dando-a um momento para se secar – por bondade ou por falta de interesse.
Bondade, ela decidiu, sabendo que estava sendo irremediavelmente romântico. Mas Justin parecia tão perceptivo, ele deve ter sentido pelo menos um tiquinho do que Luce sentira. Não só a atração, a necessidade de estar perto dele quando todos ao seu redor estavam dizendo-a para ficar longe, mas aquela sensação muito real de que eles conheciam – realmente conheciam – um ao outro de outro lugar.
Justin abriu seus olhos num estralar e sorriu – o mesmo sorriso da foto em seu arquivo. Um ataque de déjà vu a engolfou tão completamente que Luce teve que se deitar.
— O quê? — ele perguntou, soando nervoso.
— Nada.
— Luce.
— Não consigo tirar isso da minha cabeça — ela disse, rolando de lado para encará-lo. Ela não se sentia firme o bastante para se sentar ainda. — Essa sensação de que eu te conheço. Que eu te conheço faz tempo.
A água agitou-se contra a pedra, respingando nos dedos dos pés de Luce onde estavam pendurados na beirada. Estava fria e espalhou calafrios até suas panturrilhas. Finalmente, Justin falou.
— Já não passamos por isso?
Seu tom tinha mudado, como se ele estivesse tentando rir dela. Ele soava como um cara da Dover: satisfeito consigo mesmo, eternamente entediado, presunçoso.
— Estou lisonjeado por você achar que temos essa conexão, sério. Mas você não tem que inventar uma história esquecida para fazer com que um cara preste atenção em você.
Não. Ele achava que ela estava mentindo sobre essa sensação estranha da qual não conseguia se livrar como um jeito de dar em cima dele? Ela cerrou seus dentes, mortificada.
— Por que eu inventaria isso? — ela perguntou, espremendo os olhos na luz do sol.
— Você quem deve me dizer. Não, na verdade, não diga. Não fará bem algum. — Ele suspirou. — Olha, eu devia ter dito isso antes quando eu comecei a ver os sinais.
Luce se sentou. Seu coração começou a acelerar. Justin via os sinais também.
— Eu sei que te dei um fora no ginásio antes — ele disse lentamente, fazendo com que Luce se inclinasse para frente, como se ela pudesse extrair as palavras mais rapidamente. — Eu devia simplesmente ter te contado a verdade.
Luce esperou.
— Uma garota me magoou. — Ele balançou uma mão na água, arrancou uma folha de nenúfar, e a despedaçou em suas mãos. — Alguém que eu realmente amava, não há muito tempo. Não é nada pessoal, e eu não quero te ignorar.
Ele olhou para ela e o sol foi filtrado por uma gota de água em seu cabelo, fazendo-o brilhar.
— Mas eu também não quero que você tenha esperanças. Eu simplesmente não estou querendo me envolver com ninguém, não tão cedo.
Oh.
Ela desviou o olhar, para a água parada e azul-escura onde apenas minutos atrás eles estiveram rindo e respingando água. O lago não mostrava mais sinais daquela diversão. Assim como o rosto de Justin.
Bem, Luce tinha sido magoada também. Talvez se ela contasse a ele sobre Trevor e como tudo tinha sido horrível, Justin se abriria sobre seu passado. Mas, também, ela já sabia que não conseguia suportar escutar sobre o passado dele com outra pessoa. Pensar nele com outra garota – ela imaginou Gabbe, Molly, uma montagem de rostos sorridentes, olhos grandes, cabelos compridos – era o bastante para fazê-la se sentir nauseada. Sua história de término ruim deveria ter justificado tudo. Mas não justificava. Justin fora tão estranho com ela desde o começo. Mostrando-lhe o dedo do meio um dia, antes mesmo deles terem sido apresentados, então protegendo-a da estátua no cemitério no seguinte. Agora ele tinha trazido ela aqui no lago – sozinha. Ele era uma bagunça só.
A cabeça de Justin estava abaixada, mas seus olhos estavam encarando-a.
— Não é uma resposta boa o bastante? — ele perguntou, quase como se soubesse o que ela estava pensando.
— Eu ainda sinto como se houvesse algo que você não está me contando.
Tudo isso não podia ser explicado por um coração quebrado, Luce sabia. Ela tinha experiência nesse departamento.
As costas dele estavam voltadas para ela e ele olhava na direção do caminho que eles tinham tomado até o lago.
Após um instante, ele riu amargamente.
— É claro que há coisas que eu não estou te contando. Eu mal te conheço. Não tenho certeza do por que você achar que eu te devo alguma coisa.
Ele ficou de pé.
— Onde está indo?
— Tenho que voltar.
— Não vá — Luce sussurrou, mas ele não pareceu ouvir.
Ela observou, o peito pesando, enquanto Justin mergulhava na água. Ele ergueu-se distante e começou a nadar na direção da costa. Ele olhou de volta para ela uma vez, perto da metade e deu-lhe um aceno de adeus definitivo.
Então seu coração inchou enquanto ele circulou seus braços sobre sua cabeça num nado borboleta perfeito. Por mais vazia que ela se sentisse por dentro, ela não conseguia evitar admirar isso. Tão puro, tão fácil, mal parecia com natação.
Rapidamente ele alcançara a costa, tornando a distância entre eles parecer muito menor do que parecera para Luce. Ele parecera tão calmo enquanto nadava, mas não havia jeito de ele poder ter alcançado o outro lado tão rapidamente a não ser que ele realmente estivesse voando sob a água.
Era tão urgente para ele se afastar dela?
Ela observou – sentindo uma mistura confusa de envergonhamento profundo e até mesmo uma tentação mais profunda – enquanto Justin se suspendia de volta na costa. Uma coluna de luz do sol apareceu através das árvores e enquadrou sua silhueta com uma radiação brilhante, e Luce teve que espremer os olhos à visão perante seus olhos.
Ela se perguntou se a bola de futebol na sua cabeça tinha sacudido sua visão. Ou se o que ela achou que estava vendo era uma miragem. Um truque da luz do sol da tarde. Ela ficou de pé na pedra para dar uma olhada melhor.
Tudo que ele estava fazendo era chacoalhar a água de sua cabeça molhada, mas uma camada de gotículas parecia pairar sobre ele, do lado de fora dele, desafiando a gravidade em uma amplitude ampla ao longo de seus braços.
Do jeito que a água brilhava na luz solar, quase parecia que ele tinha asas.

Continua...

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