quinta-feira, 1 de maio de 2014

Fallen: Capítulo 12 "Ao pó"


No nublado entardecer sobre o cemitério, um abutre circulava. Dois dias haviam se passado desde a morte de Todd e Luce não havia conseguido comer ou dormir. Ela estava parada em um vestido preto sem mangas na enseada do cemitério onde toda a Sword & Cross havia se reunido para mostrar seu respeito a Todd.
Como se uma desanimada cerimônia de uma hora fosse o bastante. Especialmente porque a única capela do campus havia sido transformada em uma piscina, e a cerimônia teve que ser feita em um pântano depressivo.
Desde o acidente, a escola tem estado em alerta e os alunos tem sido a definição de bico fechado.
Luce havia passado os últimos dois dias evitando os olhares dos outros estudantes que a olhavam todos com variáveis níveis de desconfiança. Os que ela não conhecia muito bem pareciam olhar para ela com uma pitada de medo. Outros como Roland e Molly encaravam ela um jeito diferente, bem mais desavergonhadamente, como se tivesse algo sombriamente fascinante sobre a chegada dela. Ela aguentava os olhares xeretas o melhor que podia durante as aulas, e ficava contente a noite quando Penn dava uma passada para levar a ela uma caneca fumegante de chá de gengibre, ou Ariane passava um Mab Libs obsceno por debaixo da sua porta.
Ela estava desesperada por qualquer coisa que tirasse a ansiedade da sua mente, daquele sentimento de estar esperando que algo aconteça. Porque ela sabia que estava chegando.
Na forma de uma segunda visita da polícia, ou das sombras, ou ambas.
Naquela manhã, os anúncios da escola informaram a eles que os eventos sociais daquela noite seriam cancelados por respeito à morte de Todd e as aulas seriam terminadas uma hora mais cedo para que os estudantes tivessem tempo para se trocar e chegar ao cemitério às três horas. Como se toda a escola já não estivesse vestida para um funeral todo o tempo.
Luce nunca havia visto tantas pessoas reunidas em um só lugar no campus.
Randy estava estacionada no centro do grupo usando saia cinza pregueada até a panturrilha e um grosso sapato preto de sola emborrachada. Uma Srta. Sophia de olhos marejados e um Sr. Cole mexedor de lenço ficaram parados atrás em suas roupas de luto. Sra. Troz e O Treinador Diante estavam parados em um aglomerado preto com um grupo de outro professores e administradores que Luce nunca havia visto antes.
Os estudantes estavam sentados em filas em ordem alfabética. Na frente, Luce podia ver Joel Blant, o garoto que tinha ganhado a corrida de natação na semana passada, assoando o nariz em um lenço sujo. Luce estava num lugar de onde podia ver Justin, irritantemente posicionado nos Gs bem ao lado de Gabbe, duas fileiras a frente. Ele estava vestido impecavelmente em um blazer preto sob medida, mas sua cabeça parecia pender abaixo de todos a sua volta. Até mesmo por trás, Justin conseguia parecer devastadoramente sombrio.
Luce pensou sobre as peônias brancas que ele havia trazido para ela. Randy não havia deixado ela levar o vaso com quando deixou a enfermaria, então Luce teve que carregar as flores para o seu quarto e foi bem inventiva, cortando a parte de cima de uma garrafa de água de plástico com uma tesoura de manicure.
Os botões eram perfumados e calmantes, mas a mensagem que eles forneciam não era clara. Normalmente, quando um cara te dava flores, você não tinha que ficar pensando quais eram os sentimentos dele. Mas com Justin, esses tipos de pressuposições eram sempre uma má ideia. Era muito mais seguro presumir que ele tinha comprado porque era o que se fazia quando alguém passava por um trauma.
Ainda assim, ele havia lhe trazido flores! Se ela se inclinasse para frente agora em sua cadeira de dobrar e olhasse para seu quarto, apesar das barras de metal na terceira janela da esquerda, ela quase conseguia vê-las.
— No suor de teu rosto comerás o pão. — Um padre pago-por-hora cantarolou em frente a multidão. — Até que retornes ao chão. Para fora dele foste retirado, do veio e ao pó voltarás.
Ele era um homem magro de aproximadamente setenta anos, perdido em uma grande jaqueta preta. Seus tênis esportivos desgastados tinham os laços partidos, sua face era encaroçada e queimada do sol. Ele falou no microfone preso a um velho aparelho de sol de plástico que parecia ser dos anos oitenta. O som que saiu era estático e distorcido e dificilmente atingiria toda a multidão.
Tudo sobre aquela cerimônia era inadequado e completamente errado.
Ninguém estava prestando Todd qualquer respeito por estar aqui. Todo o memorial parecia mais como uma tentativa patética de ensinar ao estudantes como a vida podia ser injusta.
O fato do corpo do Todd nem estar presente dizia muito sobre a relação da escola ou total falta dela com o garoto falecido. Ninguém havia o conhecido, nenhum deles jamais iria.
Havia algo falso sobre ficar parada aqui naquela multidão hoje, algo piorado pelas poucas pessoas que estavam chorando. Fazia Luce sentir como se Todd fosse ainda mais desconhecido para ela do que ele havia sido na verdade.
Deixe Todd descansar em paz. Deixe os outros simplesmente seguirem em frente.
Uma coruja branca cantava no galho alto da arvore de carvalho acima de suas cabeças. Luce sabia que havia um ninho em algum lugar ali perto com um grupo de novos bebês coruja.
Ela havia escutado o cantar preocupado da mãe todas as noites naquela semana seguido pela fanática batida de asas na sua descida para sua caçada noturna.
E então havia acabado. Luce se levantou da sua cadeira, se sentindo fraca com a injustiça de tudo aquilo. Todd havia sido tão inocente quanto ela era culpada, embora do que ela não sabia. Enquanto ela seguia os outros estudantes em uma única fila em direção a tão chamada recepção, um braço passou ao redor da sua cintura e a puxou para trás.
Justin? Não, era Cam.
Seus olhos verdes procuraram os dela e pareceram ver o desapontamento, o que só a fez se sentir pior. Ela mordeu o lábio impedindo que se dissolvesse em soluços de choro. Ver Cam não deveria fazê-la chorar. Ela só estava drenada emocionalmente, a beira de um colapso. Ela mordeu tão forte que chegou a sentir gosto de sangue e então limpou a boca com sua mão.
— Hey — Cam falou alisando a parte de trás do cabelo dela.
Ela retraiu. Ela ainda tinha um galo ali atrás de quando ela havia batido a cabeça nos degraus.
— Você quer ir a algum lugar para conversar?
Eles haviam caminhado com os outros pela grama em direção a recepção embaixo da sombra de um dos carvalhos. Uma cadeira de dobrar havia sido colocada praticamente uma em cima da outra. Uma mesa de dobrar próxima estava coberta com biscoitos velhos, retirados de caixas de marcas genéricas, mas ainda dentro de sacos plásticos. Uma tigela de ponche de plástico barata havia sido enchida com um liquido vermelho adocicado e havia atraído várias moscas da mesma maneira um cadáver. Era uma recepção tão patética, poucos dos outros estudantes se incomodaram em ir. Luce viu Penn em sua saia preta apertando a mão do padre. Justin estava olhando para longe de todos eles, sussurrando algo para Gabbe.
Quando Luce se virou de volta para Cam, o dedo dele desenhou levemente através da clavícula dela, então parou sobre o galo do pescoço dela. Ela inspirou e sentiu arrepios sobre sua pele.
— Se você não gostou do colar — ele falou se inclinado nela — eu posso te conseguir outra coisa.
Os lábios dele estavam tão perto de roçar no pescoço dela que Luce pressionou uma mão no ombro dele e deu um passo para trás.
— Eu gostei — ela falou, pensando na caixa largada na sua mesa.
Tinha ido parar bem ao lado das flores de Justin, e ela havia passado metade da noite anterior olhando de uma para a outra, pesando os presentes e as intenções por trás deles. Cam era tão mais claro, mais fácil de entender. Como se ele fosse álgebra e Justin fosse cálculo. E ela sempre amou cálculo, a maneira como as vezes ela levava uma hora para desvendar um único problema.
— Eu acho que o colar é ótimo — ela falou para Cam. — Eu só não tive a chance de usar ainda.
— Me desculpe — ele falou, apertando os lábios. — Eu não devia pressionar você.
Os cabelos escuros dele estavam puxados para trás e mostravam mais do rosto dele do que de costume. Fez ele parecer mais velho, mais maduro. E o jeito que ele olhava para ela era tão intenso, os grandes olhos verdes dele sondavam dentro dela, como se ele aprovasse tudo o que ela guardava dentro de si.
— Srta. Sophia ficou dizendo para eu lhe dar mais espaço nesses últimos dias. Eu sei que ela está certa, você passou por tanta coisa. Mas você deveria saber o quanto eu pensei em você. Todo o tempo. Eu queria ver você.
Ele acariciou seu rosto com as costas da mão e Luce sentiu lágrimas brotando. Ela tinha passado por muita coisa. Se sentia terrível de estar ali, prestes a chorar, e não pelo Todd cuja morte importava, e devia ter importado mais, mas por razões egoístas, porque os últimos dois dias trouxeram de volta dor demais do passado sobre Trevor e a vida dela antes de Sword & Cross, coisas que ela pensou que já havia lidado e nunca poderiam explicadas a ninguém. Mais sombras para serem empurradas.
Era como se Cam pressentisse aquilo, ou ao menos parte dele, porque ele a enrolou em seus braços, pressionando o coração dela contra seu forte e amplo peito, e a balançou de um lado para o outro.
— Está tudo bem. Vai ficar tudo bem.
E talvez ela não tivesse que explicar nada a ele. Era como se quanto mais enlouquecida ela se sentia por dentro, mais disponível Cam se tornava. E se fosse o bastante só ficar ali nos braços que alguém que se importa com ela, deixar a simples afeição dele estabilizar ela por um breve momento?
Era tão bom ser simplesmente abraçada.
Luce não sabia como me afastar de Cam. Ele sempre foi tão legal.
E ela gostava dele, e ainda, por razões que a faziam se sentir culpada, ele meio que estava começando a irritá-la. Ele era tão perfeito e solícito, exatamente o que ele devia precisar agora. Era só que... ele não era Justin.
Um bolinho de papo de anjo apareceu sobre o ombro dela. Luce reconheceu a mão com manicure feita segurando ele.
— Tem ponche bem ali que precisa ser bebido — Gabbe falou, segurando um bolinho para Cam também.
Ele olhou o topo com cobertura.
— Você está bem? — Gabbe perguntou a Luce.
Luce assentiu com a cabeça. Pela primeira vez, Gabbe havia aparecido exatamente quando Luce queria ser salva. Elas sorriram uma para a outra e Luce ergueu o bolinho em agradecimento. Ela deu uma pequena, doce mordida.
— Ponche parece ser uma boa — Cam falou por entre os dentes. — Por que você não vai buscar alguns copos para nós, Gabbe?
Gabbe revirou os olhos para a Luce.
— Faça um favor para o homem e ele já começa a tratar você como uma escrava.
Luce riu. Cam estava um pouco fora da linha, mas era óbvio para Luce o que ele estava tentando fazer.
— Eu vou pegar as bebidas — Luce falou, pronta uma tomar um ar.
Ela seguiu para a mesa da tigela de ponche. Estava enxotando uma mosca da superfície do ponche quando alguém sussurrou em seu ouvido.
— Você quer dar o fora daqui?
Luce se virou, pronta para inventar alguma desculpa para Cam que não, ela não podia sair, não agora e não com ele. Mas não foi Cam que estendeu a mão e tocou a base do pulso dela com o dedão. Foi Justin.
Ela derreteu um pouquinho. A vez dela de usar o telefone na quarta-feira era em dez minutos e ela queria, desesperadamente, ouvir a voz de Callie, ou dos pais dela. Falar de alguma coisas que estivesse se passando do lado de fora desses portões de metal, outra coisa além desolação dos seus últimos dois dias.
Mas dar o fora daqui? Com Justin? Ela se pegou assentindo com a cabeça.
Cam ia odiar se a vise sair, e ele iria ver.
Ele a estaria vigiando. Ela quase podia sentir os olhos verdes dele na parte de trás da sua cabeça. Mas é claro que ela tinha que ir. Ela deslizou sua mão dentro da mão de Justin.
— Por favor.
Todas as outras vezes que ele haviam se tocado, ou havia sido por acidente, ou um deles havia se afastado bruscamente, normalmente Justin, antes que a corrente de calor que Luce sempre sentia pudesse evoluir a um calor crescente. Não dessa vez. Luce olhou para baixo para as mãos de Justin, segurando rapidamente as dela, e todo o corpo dela queria mais. Mais do calor, mais do formigamento, mais de Justin, era quase, não tão bom quanto ela havia sentido em seu sonho.
Ela mal podia sentir seus pés se movendo embaixo dela, só corrente do toque dele tomando conta. Era como se tivessem só piscado, e eles haviam chegado aos portões do cemitério.
Abaixo deles, bem ao longe, o resto da cerimônia me movia fora de foco enquanto os dois deixavam tudo para trás. Justin parou repentinamente e, sem aviso, largou a mão dela.
Ela tremeu, frio de novo.
— Você e Cam. — Ele falou, deixando as palavras pairarem no ar como uma pergunta. — Vocês passam muito tempo juntos?
— Parece que você não é muito fã da ideia — ela comentou, se sentindo instantaneamente estúpida por bancar a ingênua. Ela só queria provocá-lo por parecer um pouco ciumento, mas o rosto e o tom dele eram tão sérios.
— Ele não é... — Justin começou a falar. Ele observou um gavião de cauda vermelha pousar em um carvalho sobre suas cabeças. — Ele não é bom o bastante para você.
Luce havia ouvido pessoas dizerem essa fala mais de mil vezes antes. Era o que todo mundo sempre dizia. Não bom o bastante. Mas quando as palavras passaram pelos lábios de Justin, elas soaram importantes, e mesmo de alguma forma verdadeiras e relevantes, não vagas e indiferentes do modo como sempre soavam a ela no passado.
— Bem, então — ela falou em voz baixa — quem é?
Justin colocou as mãos sobre os quadris. Ele riu para si mesmo por um longo tempo.
— Eu não sei — ele falou finalmente. — Essa é uma ótima pergunta.
Não exatamente a resposta que Luce estava procurando.
— Não é como se fosse tão difícil — ela replicou, enfiando as mãos no bolso porque ela queria alcança-lo — ser bom o bastante para mim.
Os olhos de Justin pareciam estar caindo, todo o violeta que havia estado ali momentos antes, se tornaram em um profundo cinza escuro.
— Sim. É sim.
Ele esfregou a testa e quando fez isso seus cabelos foram para trás por apenas um segundo. Tempo o suficiente. Luce viu o machucado na testa dele. Estava cicatrizando, mas Luce podia identificar que era novo.
— O que aconteceu com a sua testa? — perguntou, esticando o braço em direção a ele.
— Eu não sei.
Ele estourou empurrando a mão dela para longe, forte o bastante que ela cambaleou para trás.
— Eu não sei de onde veio.
Ele parecia mais agitado por aquilo do que Luce estava, o que a surpreendeu. Era apenas um pequeno arranhão.
Passos no cemitério atrás deles. Ambos se viraram.
— Eu te falei, não vi ela — Molly estava falando, se encolhendo das mãos de Cam enquanto eles passavam na subida do cemitério.
— Vamos — Justin falou tudo que ela sentia, Luce tinha quase certeza antes mesmo de ela atirar um olhar nervoso para ele.
Ela sabia onde eles estavam indo assim que ela começou a seguir ele. Atrás da igreja-ginásio e dentro da floresta. Bem como ela esperava a sua postura pulando corda antes mesmo de ver ele se exercitar. Assim como ela sabia do corte antes de ver.
Eles andaram com o mesmo ritmo, passos com mesma distância. Pisavam na grama ao mesmo tempo, todas as vezes, até eles alcançarem a floresta.
— Se você vai a um lugar mais de uma vez com a mesma pessoa — Justin falou, quase para si mesmo — acho que não é mais só seu.
Luce sorriu, honrada ao perceber o que Justin estava dizendo, que ele nunca havia estado com outra pessoa no lago. Somente ela.
Enquanto passavam pela mata, ela sentiu o frio da sombra embaixo das árvores no seu ombro descoberto. Cheirava do mesmo jeito de sempre, como a maioria das florestas da costa da Georgia cheirava, um aroma de carvalho úmido que Luce costumava a associar com as sombras, mas que agora ela conectava a Justin. Ela não devia se sentir segura em nenhum lugar após o que havia acontecido recentemente com Todd, mas, próxima a Justin, Luce sentia como se pudesse respirar tranquila pela primeira vez em dias.
Ela tinha que acreditar que ele estava trazendo-a de volta àquele lugar por causa do modo como ele havia saído tão de repente da ultima vez. Como se eles precisassem de uma segunda tentativa para se acertarem.
O que havia começado como o que parecia um quase primeiro encontro havia terminado com Luce se sentido como se tivesse levado um bolo. Justin deve ter sabido disso e se sentia mal por sua saída repentina.
Eles alcançaram a árvore de magnólia que marcava o ponto de observação para o lago. O sol deixou uma trilha dourada na água enquanto costeava sobre a floresta no oeste. Tudo parecia tão diferente ao entardecer. O mundo todo parecia reluzir.
Justin se recostou contra a árvore e a assistiu observar a água. Ela se moveu para ficar ao lado dele abaixo das folhas envernizadas e flores, que deviam ter morrido e se ido nessa época do ano, mas pareciam tão puras e frescas como o florescer da primavera.
Luce respirou o perfume almiscarado e se sentiu mais próxima de Justin, aquele sentimento parecia vir de lugar nenhum.
— Nós não estamos exatamente vestidos para nadar dessa vez — ele falou, apontando para o vestido preto de Luce.
Ela dedilhou a bainha ilhó delicada em seu joelho, imaginando o choque de sua mãe se ela arruinasse um bom vestido porque ela e um garoto queriam mergulhar no lago.
— Talvez nós pudéssemos só mergulhar os pés.
Justin apontou para o caminho íngreme da rocha vermelha que levava para a água. Eles escalaram sobre as espessas relvas amareladas e grama do lago e usaram os contorcidos troncos dos carvalhos para manterem o equilíbrio. Aqui a costa do lago se tronava seixos. A água parecia tão imóvel, Luce sentiu que podia quase andar sobre ela.
Luce chutou suas sapatilhas negras e deslizou a superfície forrada de lírios com seus dedos. A água era mais fria do que havia sido no outro dia. Justin juntou um ramo de grama do lago e começou a trançar sua espessa haste.
Ele olhou para ela.
— Você nunca pensa em sair daqui?
— O tempo todo — ela respondeu com um resmungo, presumindo que quisesse dizer que ele também pensasse. Mas é claro que ela queria ficar o mais longe possível de Sword & Cross. Qualquer um iria querer. Mas ela tentou ao menos manter sua mente de espiralar fora de controle em direção a fantasias dela e Justin bolando uma fuga.
— Não — Justin falou — eu quis dizer, você realmente já considerou ir para outro lugar? Pedir transferência para seus pais? É só que... Sword & Cross não parece o melhor lugar para você.
Luce tomou um lugar para se sentar à frente de Justin e abraçou os joelhos. Se ele estava sugerindo que ela era uma rejeitada entre o corpo estudantil cheio de rejeitados, ela não conseguia evitar se sentir um pouco insultada.
Ela limpou a garganta.
— Eu não tenho o luxo de considerar seriamente um outro lugar. Sword & Cross é... — ela pausou — praticamente um esforço de fim de linha para mim.
— Qual é.
— Você não saberia.
— Saberia — ele suspirou. — Sempre tem outra parada, Luce.
— Isso é muito poético, Justin — ela podia sentir sua voz aumentando. — Mas se você está tão interessado em se livrar de mim, o que iremos fazer? Ninguém pediu para você me arrastar até aqui com você.
— Não. Você está certa. Eu quero dizer que você não é como as outras pessoas aqui. Tem que ter um lugar melhor para você.
O coração de Luce estava batendo rápido, como normalmente fazia perto de Justin. Mas isso era diferente. Essa cena toda estava fazendo ela suar.
— Quando eu vim para cá, fiz uma promessa a mim mesma que eu não iria contar a ninguém sobre meu passado, ou o que eu fiz para vir parar neste lugar.
Justin abaixou a cabeça em suas mãos.
— O que eu estou falando não tem nada a ver com o que aconteceu com aquele cara.
— Você sabe sobre ele? — o rosto de Luce desabou. Não. Como Justin sabia? — O que quer que Molly tenha te contado...
Mas ela sabia que era tarde demais. Justin era quem havia encontrado-a com Todd. Se Molly contou qualquer coisa sobre como Luce também havia sido implicada em outra morte misteriosa com fogo, ela não conseguia imaginar nem como começar a explicar isso.
— Escuta — ele falou, pegando as mãos dela. — O que eu estou dizendo não tem nada a ver com essa parte do seu passado.
Ela achou difícil de acreditar.
— Então tem a ver com Todd?
O toque de Justin mexeu em algo na mente dela. Ela começou a pensar sobre as sombras selvagens que ela havia visto naquela noite. O modo como elas mudaram tanto desde que ela havia chegado aquela escola, de uma ameaça sorrateira e desconfortável para uma agora quase onipresente, desenvolvido terror.
Ela era louca, isso deve ter sido o que Justin havia percebido sobre ela. Talvez ele a achasse bonita, mas sabia que no fundo ela era seriamente perturbada. Era por isso que queria que ela se fosse, então não ficaria tentado a se envolver com alguém como ela. Se era isso o que Justin pensava, ele não sabia da metade.
— Talvez tenha a ver com as estranhas sombras pretas que eu vi na noite que Todd morreu? — ela falou, esperando chocá-lo. Mas assim que ela falou as palavras ela soube que sua intenção não era assustar Justin ainda mais... era finalmente contar a alguém. Não era como se ela tivesse muito mais para perder.
— O que você disse? — ele perguntou lentamente.
— Oh, você sabe. — Ela falou encolhendo os ombros agora, tentando disfarçar o que ela havia falado. — Uma vez por dia mais ou menos, eu recebo visitas dessas coisas escuras que eu chamo de sombras.
— Não seja engraçadinha — Justin rebateu secamente.
E mesmo o tom dele ter doído, ela sabia que ele estava certo. Odiava o quão falso ela soava realmente, toda ferida. Mas ela devia contar para ele? Ela podia? Ele estava assentindo com a cabeça para que ela continuasse. Os olhos dele pareciam buscar e puxar as palavras de dentro dela.
— Tem acontecido por pelo menos doze anos — ela admitiu finalmente com um tremor profundo. — Costumava vir somente à noite, quando eu estava próxima a água ou árvores, mas agora... — as mãos dela estavam tremendo. — É praticamente sem parar.
— O que elas fazem?
Ela pensaria que ele estava só fazendo graça dela, ou tentando fazer com que ela continuasse para que fizesse uma piada às custas dela, exceto a voz dele havia ficado rouca e a face dele havia ficado sem cor.
— Normalmente elas começam sobrevoando mais ou menos por aqui.
Ela levou sua mão até a nuca de Justin e fez cócegas para demonstrar. Dessa vez ela não estava só tentando ficar fisicamente perto dele, era realmente o único modo que ela sabia como explicar. Especialmente desde que as sombras começaram a infringir o corpo dela de tal maneira palpável, física.
Justin não se esquivou, então ela continuou.
— E então algumas vezes elas ficam realmente audaciosas — continuou, se ajoelhando e colocando suas duas mãos no peito dele. — E elas se batem diretamente contra mim.
Agora ela estava bem na cara dele. O lábio dela tremeu e ela não podia acreditar que realmente estava se abrindo para alguém, muito menos Justin, sobre as terríveis coisas que ela via. A voz dela caiu para um sussurro e ela falou:
— Recentemente, elas não parecem satisfeitas até que elas... — ela engoliu — levem a vida de alguém e me joguem de costas no chão.
Ela um pequeno empurrão nos ombros dele, não pretendendo afetá-lo de maneira alguma, mas o mais leve toque dos dedos dela foi o bastante para derrubar o Justin.
A queda dele a surpreendeu tanto que ela acidentalmente perdeu o próprio equilíbrio e aterrissou com os quadris revirados em cima dele. Justin estava deitado de barriga para cima, olhando para ela com olhos arregalados.
Ela não devia ter contado aquilo para ele. Ali estava ela, em cima dele, e ela havia acabado de divulgar seu mais profundo segredo, o que realmente a definia como lunática. Como ela podia ainda querer tanto beijar ele num momento como esse?
O coração dela estava pulando impossivelmente rápido. Então ela percebeu: Ela estava sentindo ambos os corações, correndo juntos. Um tipo de conversa desesperada, uma que eles não podiam ter com palavras.
— Você realmente as enxerga? — ele sussurrou.
— Sim.
Luce suspirou, querendo se levantar e retirar tudo que disse. E ainda assim ela estava impossibilitada de sair de cima do peito de Justin. Ela tentou ler os pensamentos dele, o que qualquer pessoa normal pensaria sobre uma admissão como a dela.
— Deixe-me adivinhar — ela falou triste. — Agora você tem certeza que eu preciso de uma transferência. Para a ala psiquiátrica.
Ele saiu de debaixo dela, deixando-a deitada praticamente de cara na rocha. Os olhos dela se moveram dos pés dele, para as pernas dele, para o dorso dele, para o rosto dele. Ele estava olhando para cima em direção a floresta.
— Isso nunca aconteceu antes — ele falou.
Luce se levantou. Era humilhante, ficar ali dentada sozinha. E mais, era como se ele nem tivesse ouvido o que ela falou.
— O que nunca aconteceu? Antes do quê?
Ele se virou para ela e colocou as mãos em volta de suas bochechas. Ela segurou a respiração. Ele estava tão perto. Os lábios dele estavam tão próximos aos dela. Luce beliscou a própria coxa para ter certeza que dessa vez não estava sonhando. Ela estava bem acordada.
Então ele quase se puxou para longe à força. Justin ficou parado em frente a ela, respirando rápido, os braços dele duros dos seus lados.
— Me diga novamente o que você viu.
Luce se virou para ficar de frente para o lago. A água azul clara batia suavemente contra a margem e ela pensou em dar um mergulho. Isso era o que Justin havia feito da última vez que as coisas haviam ficado intensas demais para ele. Por que ela não podia fazer isso também?
— Pode surpreender você saber isso. Mas não é nada emocionante ficar sentada aqui e falar sobre o quanto imensamente louca eu sou. Especialmente para você.
Justin não respondeu, mas ela podia sentir os olhos dele nela. Quando finalmente ganhou coragem para olhar para ele, ele estava lhe dando um estranho, perturbante, olhar de luto.
Um em que os olhos dele se curvavam para baixo nos cantos e o seu particularmente tom de cinza era coisa mais triste que Luce já havia visto. Ela sentiu como se tivesse desapontado Justin de alguma maneira. Mas essa era a horrível confissão dela. Por que Justin era quem parecia tão devastado?
Ele andou em direção a ela e se aproximou até que os olhos dele estavam diretamente nos dela. Luce quase não conseguiu aguentar. Mas ela não conseguia desviar os olhos também.
O que quer que fosse acontecer para quebrar esse transe teria que partir de Justin, que estava se movendo para ainda mais perto, virando a cabeça em direção a dela e fechando os olhos. Os lábios dele se abriram. A respiração de Luce ficou presa na garganta. Ela fechou os olhos também. Ela virou a cabeça em direção a ele também. Ela abriu os lábios também. E esperou.
O beijo pelo qual ela estava morrendo não veio. Ela abriu os olhos porque nada havia acontecido, exceto pelo farfalhar de um galho de árvore. Justin havia desaparecido. Ela suspirou abatida, mas não surpresa.
O que era estranho era que ela quase podia ver o caminho que ele havia tomado através da floresta. Como se ela fosse algum tipo de caçadora que podia identificar a rotação de uma folha e a deixar levá-la de volta até Justin. Exceto que ela não era nada do tipo, e o tipo de trilha que Justin havia deixado era de alguma forma maior, mais claro, e ao mesmo tempo, ainda mais elusivo. Era como se uma luz violeta iluminasse o caminho dele de volta através da floresta. Como a luz violeta que ela podia jurar ter visto durante o incêndio na biblioteca. Ela estava vendo coisas. Ela se endireitou na pedra e olhou para longe por um momento, esfregando os olhos. Mas quando olhou de volta estava do mesmo jeito: apenas um plano de sua visão como se ela estivesse olhando através de óculos bifocais com uma louca prescrição, os carvalhos, a palha debaixo deles e até mesmo o canto dos pássaros nos galhos, tudo isso parecia oscilar fora de foco. E não apenas oscilava, banhado na mais leve luz púrpura, mas parecia emitir um quase inaudível zumbido de baixa frequência.
Ela se virou, aterrorizada para enfrentar, aterrorizada pelo que significava. Algo estava acontecendo com ela, e ela não podia contar a ninguém. Ela tentou se focar no lago, mas mesmo escurecendo e ficando difícil de enxergar.
Ela estava sozinha. Justin havia deixado-a. E em seu lugar, esse caminho que ela não sabia como – ou queria – navegar. Quando o sol afundou atrás das montanhas e o lago se tornou negro como carvão, Luce ousou outra olhada em direção a floresta. Ela sugou o ar, sem ter certeza se ficava desapontada ou aliviada. Era uma floresta como nenhuma outra, sem luz trêmula ou zumbido violeta. Sem sinal de Justin ter alguma vez estado ali.


Continua...