quinta-feira, 19 de junho de 2014

Fallen: Capítulo 15 "A toca do leão"


Fazia um bom tempo desde que Luce havia dado uma boa olhada no espelho. Ela costumava nunca se importar com seu reflexo, seus olhos claros esverdeados, seus pequenos dentes retos, seus espessos cílios e sua densa cabeleira negra.
Isso era antes. Antes do verão passado. Após a mãe dela ter cortado todo o seu cabelo, Luce havia começado a evitar espelhos. Não era só por causa do cabelo curto, ela não achava que gostava mais de quem era, então não queria ver nenhuma evidência. Ela começou a olhar para baixo e para as mãos quando as lavava no banheiro. Ela mantinha seu rosto olhando para frente quando passava em frente a janelas de vidros fumados e desviava de pós compactos com espelhos.
Mas vinte minutos antes do horário que ela deveria se encontrar com Cam, Luce ficou parada em frente ao espelho no banheiro feminino vazio em Augustine. Ela achava que aparentava bem. O cabelo estava finalmente crescendo, e o peso estava começando a soltar alguns dos seus cachos. Ela deu checada nos dentes, então endireitou os ombros e olhos para o espelho como se estivesse olhando Cam nos olhos. Ela tinha que lhe dizer algo, algo importante, e queria ter certeza de que conseguiria manobrar um olhar que exigisse que ele a levasse a serio.
Ele não havia ido à aula hoje. Nem Justin, então Luce presumiu que Mr. Cole havia colocado os dois em algum tipo de liberdade condicional. Ou isso ou eles estavam lambendo as feridas. Mas Luce não tinha duvidas que Cam iria esperar por ela hoje.
Ela não queria vê-lo. De jeito nenhum. Pensar sobre os punhos dele batendo em Justin fez o estômago dela se revirar. Mas era culpa dela eles terem brigado, em primeiro lugar.
Ela havia iludido Cam e se ela fez por que ela estava confusa ou lisonjeada ou estivesse o menor que seja interessada não importava mais. O que importava era que ela fosse direta com ele hoje. Não havia nada entre eles.
Ela respirou fundo, puxou sua camiseta em direção aos quadris e abriu a porta do banheiro. Se aproximando dos portões, não conseguia vê-lo. Mas então, era difícil ver qualquer coisa além da zona de construção no estacionamento. Luce não havia estado de volta à entrada da escola desde que eles haviam começado as renovações ali e ela estava surpresa do quão complicado era se mover através do esburacado estacionamento. Ela desviou de poças e tentou se esquivar do radar da equipe de construção, abanando a fumaça do asfalto que parecia nunca dissipar.
Não havia sinal de Cam. Por um segundo ela se sentiu tola, quase como se tivesse caído em algum tipo de pegadinha. Os portões de metal alto eram cheios locais descascados e ferrugem vermelha.
Luce olhou através deles para um bosque fechado de antigas olmeiras do outro lado da rua. Ela estalou as juntas dos dedos, pensando na vez que Justin havia lhe dito que ele odiava quando ela fazia aquilo. Mas ele não estava ali para vê-la fazer aquilo, ninguém estava. Então ela notou um papel dobrado com o nome dela nele. Estava preso no galho espesso da árvore de magnólia próxima ao interfone.

Eu estou salvando você dos eventos sociais esta noite. Enquanto nossos colegas estudantes apresentam uma reencenação da Guerra Civil triste, mas verdadeira, você e eu iremos pintar a cidade de vermelho. Um sedan preto com uma placa dourada irá trazer você até mim. Achei que nós dois podiam usar uma dose de ar fresco.
C.

Luce tossiu da fumaça. Ar fresco era uma coisa, mas um sedan preto a buscando no campus? Para levá-la até ele, como se ele fosse algum tipo de monarca que podia arranjar em um impulso para que mulheres fossem buscadas? Onde estava ele afinal?
Nada disso era parte do plano dela. Ela havia concordado se encontrar com Cam somente para dizer a ele que ele estava sendo muito avançado e ela realmente não conseguia se ver se envolvendo com ele. Porque, apesar de que ela nunca contará a ele, cada vez que os punhos dele atingiram Justin na noite anterior, algo dentro dela havia se esquivado e começado a ferver.
Claramente ela precisava cortar essa coisinha com o Cam pela raiz. Ela tinha o colar dourado de serpente no bolso. Era hora de devolvê-lo.
Exceto que agora ela se sentia estúpida por presumir que Cam iria querer só conversar. É claro que ele tinha uma carta na manga. Ele era esse tipo de cara.
O som das rodas do carro desacelerando fez Luce virar a cabeça. Um sedan preto parou em frente aos portões. A janela esfumada do banco do motorista moveu-se para baixo e uma mão peluda saiu e pegou o receptor do interfone do lado de fora dos portões. Após um momento, o receptor estava de volta no seu lugar e o motorista se inclinou sobre sua buzina.
Finalmente os grandes portões de metal gemeram e se abriram, e o carro entrou parando na frente dela. As portas se destrancaram suavemente. Ela ia mesmo entrar naquele carro e ir para sabe-se-lá-onde para se encontrar com ele?
A última fez que ela havia estado parada naqueles portões havia sido para dizer adeus aos pais dela.
Sentindo falta deles antes mesmo deles irem embora, ela havia abanado daquele mesmo lugar, próxima do interfone quebrada dentro dos portões e, se lembrava de ter notado uma câmera de segurança mais moderna. O tipo com detectores de movimento, dando zoom nela toda vez que ela se movia. Cam não podia ter escolhido um ponto pior para o carro buscar ela.
Do nada ela teve visões do confinamento solitário na cela do porão. Paredes de cimento úmido e baratas correndo pelas pernas dela. Sem luz de verdade. Os rumores ainda estavam correndo pelo campus sobre aquele casal, Jules e Phillip, que não haviam sido mais vistos desde que haviam escapado. Cam achava que Luce queria tanto ver ele que ariscaria saindo do campus em plena visão dos vermelhos?
O carro ainda estava com o motor ligado em frente a ela. Após um momento, o motorista, um homem de óculos escuros estilo esportivo com um pescoço grosso e cabelos ralos estendeu sua mão. Nela estava um pequeno envelope branco. Luce hesitou um segundo antes de ir para frente e tirar ele dos dedos dele.
O material personalizado de Cam. Um cartão pesado cor marfim com o nome dele impresso em letras douradas no canto inferior à esquerda.

Devia ter mencionado antes, os vermelhos foram vedados. Veja por si mesma. Eu cuidei disso, como irei cuidar de você. Vejo você logo, espero.

Vedados? O que ele quis dizer? Ela ousou dar uma olhada para os vermelhos. Ele o fez. Um círculo de fita preta havia sido colocado perfeitamente sobre as lentes da câmera. Luce não sabia como essas coisas funcionavam ou quanto tempo levaria para a escola descobrir, em uma maneira estranha, ela estava aliviada por Cam ter pensado em cuidar disso. Ela não podia imaginar Justin pensando tão à frente.
Callie e os pais dela estavam esperando telefonemas esta tarde. Luce havia lido a carta de dez páginas da Callie três vezes e tinha todos os detalhes engraçados da viagem do final de semana da amiga dela a Nantucket memorizados, mas ainda não saberia como responder a qualquer uma das perguntas de Callie sobre sua vida na Swords & Cross. Se ela se virasse e fosse para dentro para pegar o telefone, não saberia como começar a contar à Callie e seus pais sobre a sinistra virada que os últimos dois dias haviam tomado. Mais fácil não contar nada a eles, ou até que ela encerrasse as coisas de um jeito ou de outro.
Ela deslizou no luxuoso assento de couro bege do sedan e colocou o cinto. O motorista ligou a ignição do carro sem dizer uma palavra.
— Aonde nós vamos — ela perguntou a ele.
— Um lugarzinho que fica no remanso do rio. Sr. Briel gosta das cores locais. Apenas se recoste e relaxe, querida. Você verá.
Sr. Briel? Quem era esse cara? Luce nunca gostou que a mandassem relaxar, especialmente quando parecia uma ameaça para não fazer mais nenhuma pergunta. De qualquer maneira, ela cruzou os braços sobre o peito, olhou para fora da janela e tentou esquecer do tom do motorista quando ele a chamou de “querida”.
Através dos vidros escuros, as árvores lá fora e a estrada cinza pavimentada embaixo delas pareciam marrons. Na virada onde a bifurcação levava à Thunderbolt, o sedan preto virou para o leste. Eles estavam seguindo o rio em direção à costa. Uma vez ou outra, quando o caminho deles e o rio convergiam, Luce podia ver a água turva marrom se retorcendo ao lado deles.
Vinte minutos depois o carro desacelerou até parar em frente ao bar batido de beira de rio. Era feito de uma madeira cinza, apodrecida e inchada, havia marcas de água sobre a porta da frente vermelha que se lia Estige em irregulares letras vermelhas pintadas a mão. Bandeirolas de plástico de propaganda de cerveja haviam sido grampeadas em um feixe de madeira embaixo do telhado de zinco, uma tentativa medíocre de festividade. Luce estudou as imagens impressas nos triângulos de plástico, palmeiras e garotas bronzeadas de biquínis com garrafas de cerveja nos seus lábios sorridentes, e se perguntou quando foi a última vez que uma garota de verdade havia colocado os pés naquele lugar.
Dois punks mais velhos se sentaram fumando no banco que ficava de frente para a água. Moicanos cansados caiam sobre as testas de meia idade deles, e as suas jaquetas de couro tinham uma aparência feia e suja de algo que eles estivessem usando desde que punk era novidade. A expressão vazia dos seus bronzeados e caídos rostos fazia a cena toda parecer ainda mais desolada.
O pântano que beirava a rodovia de duas vias havia começado a cobrir o asfalto, e a estrada parecia meio que sumir por entre a grama do pântano e a lama. Luce nunca havia estado tão longe no rio pantanoso.
Enquanto estava sentada, incerta do que faria uma vez que saísse do carro, ou se essa era realmente uma boa ideia, a porta da frente do Estige se abriu abruptamente e Cam andou para fora.
Ele se inclinou descontraidamente contra a janela da porta, uma perna cruzada sobre a outra. Ela sabia que ele não podia vê-la através do vidro escuro do carro, mas ele levantou sua mão como se pudesse e gesticulou para ela ir até ele.
— Aqui vai nada — Luce resmungou antes de agradecer o motorista.
Ela abriu a porta e foi recebida por uma rajada de vento salgado enquanto subia os três degraus até a varanda de madeira do bar.
O cabelo bagunçado de Cam estava solto ao redor do rosto dele e ele tinha uma expressão calma em seus olhos verdes. Uma manga da camiseta preta dele estava puxada sobre o ombro dele, e Luce podia ver a suave marcação do bíceps dele. Ela dedilhou a corrente de ouro no bolso dela.
Lembre-se porque você está aqui.           
O rosto de Cam não mostrava nenhum sinal da briga da noite anterior, o que a fez se perguntar, imediatamente, se Justin tinha alguma marca.
Cam a deu um olhar inquisitivo, correndo sua língua ao longo do seu lábio inferior.
— Eu só estava calculando quantos drinques de consolação eu precisaria se você me desse o cano hoje — ele falou, abrindo os braços para um abraço.
Luce andou até eles. Cam era uma pessoa muito difícil de dizer não, até mesmo quando ela não estava totalmente certa sobre o que ele estava pedindo.
— Eu não daria o cano em você — respondeu, então imediatamente se sentiu culpada, sabendo que as palavras dela vieram do senso de dever, não o romance que Cam teria preferido. Ela estava ali somente porque ela ia dizer a ele que não queria se envolver com ele. — Então, o que é esse lugar? E desde quando você tem um serviço de carro?
— Cola em mim, criança.
Ele pareceu tomar a pergunta dela como um elogio, como se ela gostasse de ser arrastada para bares que cheiravam como o interior de um ralo de pia. Ela era tão ruim nesse tipo de coisa. Callie sempre dizia que Luce era incapaz de honestidade brutal e era por isso que ela ficava presa em tantas situações desagradáveis com caras que ela devia apenas ter dito não. Luce estava tremendo. Ela tinha que desabafar aquilo. Ela pescou no seu bolso e tirou o pendente.
— Cam.
— Oh que bom, você trouxe — ele pegou o colar das mãos dela e a girou. — Deixe-me ajudar você a colocá-lo.
— Não, espere.
— Pronto. Ele realmente combina com você. Dê uma olhada.
Ele a acompanhou ao longo do assoalho de madeira que rangia até a janela do bar, onde um numero de bandas havia colocado posters para shows. OS VELHOS BEBES. PINGANDO COM ÓDIO. RACHADORES DE CASAS. Luce teria preferido estudar qualquer um deles a olhar seu reflexo.
— Viu?
Ela não conseguia distinguir direito as feições dela no enlameado vidro da janela, mas o pendente de ouro brilhava na sua pele quente. Ela pressionou sua mão nele. Ele era adorável. E tão distinto, com sua pequena serpente esculpida a mão pairando no centro. Não era como nada que você vê nas vitrines dos mercados, onde vendedores locais superfaturam os trabalhos manuais para turistas, suvenires da Geórgia feito nas Filipinas.
Atrás do reflexo dela na janela, o céu estava com uma cor rica de laranja-picolé, quebrado por linhas finas de nuvens rosa.
— Sobre a noite passada... — Cam começou a dizer.
Ela conseguia ver vagamente os lábios rosados dele se moverem pelo vidro sobre os ombros dela.
— Eu queria falar sobre a noite passada, também — Luce interrompeu, parando do lado dele. Ela podia ver as pontas da tatuagem em formato de raios de sol atrás do pescoço dele.
— Venha para dentro — ele falou, guiando-a de volta para a porta de tela meio caída. — Nós podemos conversar lá.
O interior do bar era de madeira plainada, com algumas fracas lâmpadas laranja provendo a única luz. Todos os tamanhos e formar de galhadas estavam amontoados na parede, e uma pantera empalhada posava sobre o bar, parecendo pronta para da o bote a qualquer momento.
Um retrato desbotado composto com as palavras CONDADO DE PULASKI CLUBE DE OFICIAIS ALCE 1964-1965 era a única outra decoração na parede, mostrando cem faces ovais, sorrindo modestamente acima de laços cor pastel. O jukebox tocava Ziggy Stardust, e um cara mais velho com a cabeça raspada e calça de couro estava cantarolando e dançando sozinho no meio de um pequeno palco elevado. Além de Luce e Cam, ele era a única outra pessoa naquele lugar.
Cam apontou para dois banquinhos. As almofadas verdes de couro gastas haviam se partido no meio, a espuma bege saia para fora como um pedaço maciço de pipoca. Já havia uma taça pela metade onde Cam havia se sentado. A bebida nela era marrom e aguada com gelo, banhada com suor.
— O que é isso? — Luce perguntou.
— Luar da Geórgia — ele falou, tomando um gole. — Eu não o recomendo para começar. — Quando ela olhou torto para ele, ele falou — eu estive aqui o dia inteiro.
— Encantador — Luce respondeu, dedilhando o colar de ouro. — Quantos anos você tem, setenta? Sentado em um bar sozinho o dia inteiro?
Ele não parecia obviamente bêbado, mas ela não gostava da ideia de ir toda aquela distância até lá para terminar tudo com ele, e ele estar bêbado demais para entender. Ela estava começando a se perguntar como iria voltar para a escola. Nem sabia onde era aquele lugar.
— Ai — Cam esfregou seu coração. — A beleza de ser suspenso das aulas, Luce, é que ninguém sente a sua falta durante as aulas. Eu achei que eu merecia um tempinho para me recuperar — ele levantou a cabeça. — O que está realmente incomodando você? É este lugar? Ou a briga da noite passada? Ou o fato de não estarmos tendo nenhum atendimento? — ele elevou a voz para gritar as ultimas palavras, alto o bastante para fazer um enorme, bruto bartender se virar em frente a porta da cozinha atrás do bar.
O barman tinha cabelos longos, repicados com franja, e tatuagens que pareciam cabelos humanos trançados que percorriam seus braços de cima a baixo. Ele era só músculos e devia pesar uns cento e cinquenta quilos.
Cam se virou para ela e sorriu.
— Qual é a sua bebida?
— Eu não me importo — Luce falou. — Eu na verdade não tenho minha própria bebida.
— Você estava bebendo champagne na minha festa — Cam falou. — Viu quem estava prestando atenção? — ele esbarrou nela com seu ombro. — Seu champagne mais fino aqui.
Ele falou para o bartender que jogou a cabeça para trás e soltou uma risada maléfica.
Não fazendo nenhuma tentativa de ver a identidade dela ou até mesmo olhá-la tempo o bastante para adivinhar sua idade, o bartender se abaixou sobre um pequeno refrigerador com uma porta de vidro de correr. As garrafas se bateram enquanto ele procurava e procurava. Após o que pareceu como um longo tempo, ele emergiu novamente com uma pequena garrafa de Freixenet.
Parecia que tinha uma coisa laranja crescendo em volta da base.
— Eu não aceito nenhuma responsabilidade por isso — ele falou, entregando a garrafa.
Cam estourou a rolha e elevou sua sobrancelha a Luce. Ele serviu o Freixebet cerimoniosamente nas taças de vinho.
— Eu queria me desculpar. Sei que eu tenho forçado um pouco a barra. E a noite passada, o que aconteceu com Justin, eu não me sinto bem a respeito daquilo — ele esperou Luce consentir com a cabeça antes de continuar. — Ao invés de ficar bravo, eu só devia ter te ouvido. É com você que eu me importo, não ele.
Luce observou as bolhas subirem no seu espumante, pensando que se ela tivesse que ser honesta, diria que era com Justin que se importava, não Cam. Ela tinha que contar a Cam. Se ele já se arrependia de não tê-la escutado na noite passada, talvez agora ele iria começar a ouvir. Ela ergueu a taça dela para beber um gole antes de começar.
— Oh, espere — Cam colocou sua mão no braço dela. — Você não pode beber até que nos tenhamos brindado alguma coisa. — Ele ergueu a taça dele e segurou os olhos dela. — O que deve ser? Você escolhe.
A porta de tela bateu e os caras que haviam estado fumando na varanda entraram. O mais alto, com cabelos pretos oleosos, nariz cortado e unhas muito sujas, deu uma olhada em Luce e foi até eles.
— O que estamos celebrando? — o homem a olhou, batendo na taça erguida dela com seu copo.
Ele se inclinou mais perto, e ela pôde sentir a carne dos quadris dele pressionando os dela através da camisa de flanela.
— É a primeira noite fora do bebê? Qual é a hora do toque de recolher?
— Nós estamos celebrando você levando seu traseiro de volta para fora agora mesmo — Cam falou agradavelmente como se ele tivesse anunciado que era o aniversário de Luce.
Ele fixou os olhos verdes no homem, que mostrou seus pequenos dentes pontudos e a boca cheia de gengiva.
— Lá fora, é? Só se eu levar ela comigo.
Ele agarrou a mão de Luce. Após o jeito que a briga com Justin havia começado, Luce esperava que Cam precisaria de pouca desculpa para perder o controle de novo. Especialmente se ele realmente tivesse bebido o dia inteiro. Mas Cam se manteve excepcionalmente calmo.
Tudo que ele fez foi espanar a mão do cara para longe com a velocidade, graça e força brutal de um leão espanando um rato.
Cam assistiu o cara cambalear para trás vários passos. Ele sacudiu sua mão com uma expressão desinteressada no rosto, então acariciou o pulso de Luce onde o cara tinha tentado agarrá-la.
— Lamento por isso. Você estava dizendo, sobre a noite passada?
— Eu estava dizendo... — Luce sentiu o sangue drenar de seu rosto.
Diretamente sobre a cabeça de Cam, uma enorme sombra preta havia se aberto, se esticando para frente e se desdobrando até que se tornou a maior, mais negra sombra que ela jamais havia visto. Um sopro de ar ártico soprou de seu centro, e Luce sentiu o gelo da sombra mesmo nos dedos de Cam, ainda traçando a pele dela.
— Oh. Meu. Deus — ele sussurrou.
Houve um estrondo de vidro quando o cara quebrou o copo sobre a cabeça de Cam. Lentamente, Cam ficou de pé em frente a cadeira dele e sacudiu alguns dos estilhaços de vidro do cabelo. Ele se virou para encarar o homem que era facilmente duas vezes a sua idade e vários centímetros mais alto.
Luce se acovardou em seu banco de bar se esquivando do que ela sentia que estava prestes a acontecer entre Cam e esse outro cara. E o que ela temia que poderia acontecer com a espalhada, negra como a noite sombra que estava sobre as cabeças
— Separando — o enorme bartender falou categoricamente sem nem se preocupar em tirar os olhos da sua revista de luta.
Imediatamente, o cara começou a lançar socos cegamente em Cam, que tomou os socos sem sentido como se eles fossem tapas vindas de uma criança.
Luce não era a única espantada pela compostura de Cam. O dançarino-usador-de-calças-de-couro estava se acovardando contra o jukebox. E após o cara de cabelo oleoso socar Cam algumas vezes, até ele foi para trás e ficou ali, confuso.
Enquanto isso, a sombra estava se juntando contra o forro, ramos escuros como ervas e descendo para cada vez mais perto de suas cabeças. Luce se retraiu e se esquivou assim que Cam se esquivou de um último soco do cara sórdido. E então decidiu contra-atacar.
Foi só um simples movimento dos dedos dele, como se Cam estivesse retirando uma folha morta. Em um minuto, o cara estava em cima de Cam, mas quando os dedos de Cam conectaram com o peito do oponente dele, o cara foi voando, jogado de pés para cima no ar, garrafas de cerveja se quebrando com sua subida até as costas dele baterem na parede oposta próxima ao jukebox.
Ele esfregou a cabeça e, gemendo, começou a se amontoar e ficar agachado.
— Como você fez aquilo?
Os olhos de Luce estava arregalados.
Cam ignorou-a, se virou em direção ao amigo mais baixo, mais parrudo do cara e falou:
— Você é o próximo?
O segundo cara levantou suas palmas.
— Não é minha briga, cara — ele falou, se esquivando para longe.
Cam encolheu os ombros, andou em direção ao primeiro cara e o levantou do chão pelas costas da camiseta dele. Seus membros balançavam vulneravelmente no ar, como de uma marionete. Então, com um fácil giro de pulso, Cam jogou o cara contra a parede. Ele quase parecia grudar lá enquanto Cam se soltou, socando o cara e dizendo de novo e de novo:
— Eu falei vá para fora!
— Basta! — Luce gritou, mas nenhum deles ouviu ou se importou.
Luce se sentiu mal. Ela queria tirar os olhos do nariz e gengivas sangrentas do cara pendurado contra a parede, da força quase sobre humana de Cam. Ele queria dizer a ele para esquecer, que ela acharia o caminho para escola sozinha. Ela queria, mais que tudo, fugir da sombra medonha que agora cobria o teto e pingava pelas paredes. Ela agarrou a sua bolsa e correu noite adentro. Direto nos braços de alguém.
— Você está bem? — era Justin.
— Como você me encontrou aqui? — ela perguntou
E sem vergonha nenhuma enterrando sua face no ombro dele. Lágrimas com as quais ela não queria lidar estavam se enchendo dentro dela.
— Venha. Vamos sair daqui.
Sem olhar para trás, ela deslizou sua mão para dentro da mão dele. Calor se espalhou acima do braço dela e através do seu corpo. E então as lágrimas começaram a rolar. Não era justo se sentir tão a salvo quando as sombras ainda estavam tão perto.
Até Justin parecia agitado. Ele estava arrastando-a através do lote tão rápido, ela quase precisou correr para alcançá-lo.
Ela não queria olhar para trás quando sentiu as sombras se derramarem para fora da porta do bar e ganhar forma no ar. Mas então, não precisava. Elas flutuaram em um fluxo constante sobre a cabeça dela, sugando toda a luz do caminho deles. Era como se o mundo inteiro estava sendo rasgado em pedaços bem diante de seus olhos. Um cheiro podre de enxofre ficou preso em seu nariz, pior do que qualquer coisa que ela conhecia.
Justin olhou para cima também, e fez uma careta, só que parecia que ele estava apenas tentando se lembrar onde tinha estacionado. Mas então a coisa mais estranha aconteceu. As sombras se encolheram para trás, se afastando em jatos pretos que se aglomeravam e dispersavam.
Luce vagou seus olhos em descrença. Como Justin tinha feito aquilo? Ele não tinha feito aquilo, ou tinha?
— Quê? — Justin perguntou, distraído. Ele destrancou a porta do lado do carona de um branco Taurus Station Wagon. — Alguma coisa errada?
— Nós não temos tempo para eu listar todas as muitas, muitas coisas que estão erradas — Luce falou, se afundando no acento do carro. — Olha.
Ela apontou em direção a entrada do bar. A porta de tela se abriu e Cam apareceu. Ele deve ter desacordado o outro cara, mas não parecia que tinha estado em uma briga. Os punhos dele estavam fechados.
Justin sorriu e sacudiu a cabeça. Luce estava brigando com seu sinto de segurança inutilmente de novo e de novo na fivela até Justin estender suas mãos e tirar as mãos dela do caminho.
Ela segurou a respiração enquanto os dedos dele roçaram o estômago dela.
— Tem um truque — ele sussurrou, encaixando a tranca na base.
Ele ligou o carro e, em seguida recuou lentamente, tomando seu tempo enquanto eles passavam a porta do bar. Luce não conseguia pensar em uma única coisa a dizer a Cam, mas sentiu perfeito quando Justin abriu a janela e disse simplesmente.
— Boa noite, Cam.
— Luce — Cam falou andando em direção ao carro. — Não faça isso. Não vá embora com ele. Vai acabar mal.
Ela não podia olhos nos olhos dele, os quais ele sabia que estavam apelando para ela voltar.
— Eu sinto muito.
Justin ignorou Cam inteiramente e só dirigiu pântano parecia nublado no crepúsculo, e as matas em frente a eles pareciam ainda mais nubladas.
— Você ainda não me disse como me achou aqui — Luce falou. — Ou como você sabia que eu vim me encontrar com Cam. Ou onde você conseguiu esse carro.
— É da Srta Sophia — Justin explicou, ligando o farol alto enquanto as árvores cresciam juntas a frente e deixando a estrada na sombra densa.
— Srta Sophia deixou você pegar o carro dela emprestado?
— Depois de anos vivendo em Skid Row em L.A. — ele falou encolhendo os ombros — você pode dizer que eu tenho um toque mágico quando se fala em “pegar emprestado”.
— Você roubou o carro da Srta. Sophia? — Luce indagou, perguntando-se como a bibliotecária iria anotar este desenvolvimento em seus arquivos.
— Nós vamos levar de volta. Além disso, ela estava muito preocupada com a noite da encenação da Guerra Civil. Algo me diz que ela não vai nem mesmo notar que ele se foi.
Foi só aí que Luce percebeu o que Justin estava vestindo. Ela assimilou o uniforme azul de soldado da União dele com sua ridícula tira de couro jogada diagonalmente sobre o peito dele. Ela tinha estado tão aterrorizada das sombras, de Cam, de toda a horrorosa cena que ela não tinha nem pausado para assimilar Justin.
— Não ria — Justin falou, tentando não rir. — Essa noite você se safou do possivelmente pior evento social do ano.
Luce não conseguiu se conter. Ela estendeu o braço e bateu com o dedo em um dos botões de Justin.
— Uma pena — ela falou, usando um sotaque sulista. — Eu tinha acabado de mandar passar meu vestido-bela-do-baile.
Os lábios de Justin se contorceram em um sorriso, mas então ele suspirou.
— Luce, essa noite, as coisas podiam ter acabado muito feio. Você sabia disso?
Luce olhou para a estrada, incomodada que a atmosfera havia mudado tão de repente para uma depressiva. Uma coruja cantadora olhou para ela de uma árvore.
— Eu não tinha a intenção de vir aqui. — Ela falou o que parecia ser verdade. Foi quase como se Cam tivesse enganado ela. — Eu queria não ter vindo — ela adicionou quietamente, se perguntando onde a sombra estava agora.
Justin bateu os punhos no volante fazendo-a pular. Ele estava ringendo os dentes, e Luce odiava que ela era quem havia feito ele parecer tão zangado.
— Eu não consigo acreditar que você está envolvida com ele.
— Eu não estou — ela insistiu. — A única razão que me fez aparecer era para dizer a ele… — era sem sentido.
Envolvida com Cam! Se Justin soubesse que ela e Penn passavam a maioria do tempo delas pesquisando a família dele… bem, ele provavelmente ficaria igualmente irritado.
— Você não precisa se explicar — Justin falou, acenando com a mão. — É minha culpa de qualquer jeito.
— Sua culpa?
Àquela altura Justin havia saído da rua e parado o carro em uma pequena estrada de areia. Ele apagou os faróis e eles ficaram olhando para o oceano. O céu acinzentado estava com um tom extraordinariamente profundo e o pico das ondas pareciam quase prata, brilhando. A grama da praia sacudia no vento, fazendo um alto, desolado som de assovio. Um bando de gaivotas sentaram em uma longa linha ao longo do parapeito da passarela, ajeitando as penas.
— Nós estamos perdidos? — ela perguntou.
Justin a ignorou. Ele saiu do carro e fechou a porta, começou a andar em direção a água. Luce esperou dez agonizantes segundos, assistindo a silhueta dele ir diminuindo no crepúsculo púrpura, antes de pular para fora do carro e segui-lo.
O vento jogou o cabelo dela contra seu rosto. Ondas batiam na costa, levando linhas de conchas e algas marinhas de volta para sua contracorrente submarina. O ar estava mais frio perto da água. Tudo tinha um aroma forte de maresia.
— O que está acontecendo, Justin? — ela perguntou, correndo ao longo da duna. Ela se sentiu mais pesada andando na areia. — Onde nós estamos? E o que você quis dizer, é sua culpa?
Ele se virou para ela. Ele parecia tão abatido, sua fantasia de uniforme toda amassada, seus olhos cor de mel opacos. O barulho das ondas quase abafou a voz dele.
— Eu só preciso de um tempo para pensar.
Luce sentiu um nó crescendo de novo na sua garganta. Ela finalmente havia parado de chorar, mas Justin estava dificultando tudo.
— Por que me resgatar então? Por que vir todo o caminho até aqui para me apanhar, então gritar comigo e me ignorar? — ela secou os olhos na barra da camiseta preta dela e o sal do mar nos dedos dela fizeram seus olhos arderem. — Não que isso seja alguma diferença do jeito que você tem me tratado na maioria do tempo, mas...
Justin se virou e bateu na testa dele com as duas mãos.
— Você não entende, Luce — ele sacudiu a cabeça. — Isso é o que você nunca entende.
Não tinha nada maldoso na voz dele. De fato, era quase bondosa demais. Como se ela fosse lenta demais para captar o que quer que seja que era tão óbvio para ele. O que a fez ficar absolutamente furiosa.
— Eu não entendo? — ela perguntou. — Eu não entendo? Deixe eu te dizer uma coisa sobre o que eu não entendo. Você se acha tão esperto? Eu passei três anos com uma bolsa integral na melhor escola preparatória do país. E quando eles me chutaram, eu tive que fazer uma petição, petição! Para que eles não apagassem meu histórico das minha notas quatro-ponto-zero.
Justin se afastou, mas Luce perseguiu-o, dando um passo a frente a cada passo de olhos arregalados que ele dava para trás. Provavelmente assustando-o, mas e daí? Ele estava pedindo por isso toda vez que ele era condescendente com ela.
— Eu sei latim e francês, e no ensino médio, ganhei a feira de ciências três anos seguidos.
Ela tinha encurralado ele contra o parapeito da passarela e estava tentando se segurar para não cutuca-lo no peito com o dedo. Ela não tinha terminado.
— Eu também faço as palavras cruzadas do jornal Sunday, algumas vezes em menos de uma hora. Eu tenho um preciso sentido de direção... apesar de isso nem sempre se aplicar aos garotos — ela engoliu e tomou um momento para recuperar o fôlego. — E algum dia, eu serei uma psiquiatra que realmente ouve os pacientes e ajuda pessoas. Ok? Então não fique falando comigo como se eu fosse uma estúpida e não me diga que eu não entendo só porque eu não consigo decodificar seu errado, falho, quente-num-minuto-frio-no-outro, francamente — ela olhou para ele, soltando a respiração — realmente insensível comportamento.
Ela secou as lágrimas, zangada consigo mesma por ter ficado tão exaltada.
— Cala a boca — Justin falou, mas ele falou suavemente e tão carinhosamente que Luce surpreendeu ambos ao obedecer.
— Eu não acho que você é estúpida — ele fechou os olhos. — Eu acho que você é a pessoa mais esperta que eu conheço. E a mais gentil. E... — ele engoliu, abrindo os olhos para olhar diretamente para ela — A mais bonita.
— O que?
Ele olhou para o oceano.
— Eu só... estou tão cansado disso.
Ele parecia tão exausto.
— Do quê?
Ele olhou para ela, com a mais triste expressão no rosto dele, como se ele tivesse perdido algo precioso. Esse era o Justin que ela conhecia, apesar de ela não poder explicar como ou de onde. Este era o Justin que ela... amava.
— Você pode me mostrar — ela sussurrou.
Ele sacudiu a cabeça. Mas os lábios dele ainda estavam tão perto dos dela. E a expressão nos olhos dele era tão fascinante. Era quase como se ele quisesse que ela mostrasse para ele primeiro.
O corpo dela tremia de nervos enquanto ela ficava nas pontas dos pés e se inclinava em direção a ele.
Ela colocou a mão na bochecha dele e ele piscou, mas não se moveu. Ela se moveu lentamente, tão lentamente, como se estivesse com medo de assustá-lo, cada segundo sentindo se petrificar. E então, quando eles estavam perto o bastante que os olhos dela estavam quase vesgos, ela os fechou e pressionou os lábios dela contra os dele.
O mais leve, como uma pena, toque dos lábios deles era tudo o que os conectava, mas um fogo que Luce jamais havia sentido antes passou por ela, e ela soube que ela precisava mais de tudo de Justin. Seria pedir demais que ele precisasse dela da mesma maneira, segurá-la nos braços dele como ele havia feito tantas vezes nos sonhos dela, retribuir o beijo esperançoso dela com um mais poderoso. E ele o fez.
Os músculos dos braços dele circularam a cintura dela. Ele a puxou até ele, e ela podia sentir a linha definida dos seus corpos conectando, pernas se enrolando em pernas, quadris pressionados em quadris, peitos arfando em sincronia um com o outro. Justin a colocou com as costas contra o parapeito da passarela, prendendo-a mais perto dele até que ela não conseguia de mover, até ele tê-la exatamente onde ela queria estar. Tudo isso sem nenhuma vez quebrar a apaixonada ligação de seus lábios.
E então ele começou a realmente beijá-la, carinhosamente a principio, fazendo sutis, adoráveis sons de selinhos no ouvido dela. E então longo e doce e ternamente ao longo da mandíbula dela e abaixando até o pescoço dela, fazendo-a gemer e jogar sua cabeça para trás. Ele puxou firmemente no cabelo dela e ela abriu os olhos para vislumbrar, por um segundo, as primeiras estrelas aparecerem no céu da noite. Ela se sentiu mais perto do céu do que ela jamais sentiu antes.
Finalmente, Justin voltou aos lábios dela, beijando-a com tanta intensidade, sugando os lábios inferiores dela, então esticando sua língua macia só até um pouco depois dos dentes dela. Ela abriu mais a boca, desesperada para deixar mais dele entrar, finalmente sem medo de mostrar o quanto ela ansiava por ele. Para empatar a força dos beijos dele com a dela.
Ela tinha areia na boca e entre seus dedos do pé, o vento salgado levantou arrepios em sua pele, e o mais doce, sentimento de fascinação derramava do seu coração.
Ela poderia, naquele momento, ter morrido por ele.
Ele se afastou e olhou para ela, como se quisesse que ela dissesse algo. Ela sorriu para ele e beijou ele delicadamente nos lábios, deixando os lábios dela perdurar nos dele. Ela não conhecia nenhuma palavra, não tinha maneira melhor de comunicar o que ela estava sentindo, o que ela queria.
— Você ainda está aqui — ele suspirou.
— Eles não conseguiriam me arrastar — ela riu.
Justin deu um passo para trás e com um olhar sombrio para ela, o sorriso dele havia sumido. Ele começou a andar de um lado para o outro, esfregando sua testa com as mãos.
— O que está errado? — ela perguntou levemente, puxando as mangas dele para que ele voltasse para outro beijo.
Ele correu os dedos pelo rosto dela, pelo seu cabelo, ao redor do pescoço. Como se ele estivesse se certificando que ela não era um sonho.
— Esse foi seu primeiro beijo de verdade?
Ela achou que não devia contar Trevor, então tecnicamente era. E tudo parecia tão certo, como se ela tivesse sido destinada para Justin, e ele para ela. Ele cheirava... lindo. A boca dele tinha um gosto doce e rico. Ele era alto e forte e estava escorregando do abraço dela.
— Onde você está indo? — ela perguntou.
Seus joelhos dobrados e ele afundaram alguns centímetros, inclinando-se contra o parapeito de madeira da passarela e olhando para o céu. Ele parecia estar com dor.
— Você disse que nada poderia arrastar você — ele falou em uma voz apressada. — Mas elas vão. Talvez só estejam atrasadas.
— Elas? Quem? — Luce perguntou, olhando ao redor para a praia deserta. — Cam? Eu acho que despistamos ele.
— Não — Justin começou a andar para longe pela passarela. Ele estava tremendo. — É impossível.
— Justin.
— Vai vir — ele sussurrou.
— Você está me assustando.
Luce seguiu atrás tentando alcançar. Porque de repente, mesmo não querendo, ela tinha o pressentimento que sabia o que ele queria dizer. Não Cam, mas outra coisa, alguma outra ameaça.
A mente de Luce pareceu enuviada. As palavras dele bateram em seu cérebro, soando estranhamente verdade, mas o raciocínio por trás deles escapou dela. Como o fio de um sonho que ela não conseguia se lembrar dele todo.
— Fale comigo. Me diga o que está acontecendo.
Ele se virou, sua face pálida como o florescer de uma peônia, os braços dele erguidos em rendição.
— Eu não sei como parar isso — ele suspirou. — Eu não sei o que fazer.

Continua...

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Fallen: Capítulo 14 "Mãos ociosas"


Choveu o dia todo na terça. Nuvens extremamente negras rolaram do oeste e agitaram-se sobre o campus, nada fazendo para ajudar a clarear a mente de Luce. O aguaceiro caía em ondas desiguais – garoando, então chovendo torrencialmente, então chovendo granizo – antes de diminuir para começar tudo de novo. Os alunos não foram permitidos a sair durante os intervalos, e ao final de sua aula de cálculo, Luce estava ficando louca por causa do aprisionamento. Ela percebeu isso quando suas anotações começaram a se desviar do teorema de valor médio e começaram a ficar desse jeito:

15 de setembro: dedo do meio introdutório de JB
16 de setembro: estátua derrubada, mão na cabeça para me proteger (alternativa: simplesmente tateando uma saída); a saída imediata de JB
17 de setembro: potencial leitura errada do aceno de cabeça de JB como uma sugestão de que eu fosse à festa do Cam. Perturbadora descoberta do relacionamento de JB & G (erro?)

Soletrado desse jeito, era o começo de um catálogo muito embaraçoso. Ele tinha simplesmente tantos altos e baixos. Era possível que ele se sentisse da mesma maneira que ela – embora, se pressionada, Luce insistiria que qualquer estranheza da sua parte era apenas uma resposta à estranheza suprema da parte dele.
Não. Esse era precisamente o tipo de argumento circular no qual ela não queria se engajar. Luce não queria jogar nenhum jogo. Ela só queria ficar com ele. Só que não tinha ideia do por que. Ou como agir sobre isso. Ou, na verdade, o que ficar com ele realmente significava. Tudo que ela sabia era que, apesar de tudo, era nele quem ela pensava. Aquele com quem ela se preocupava.
Ela pensara que se pudesse rastrear cada vez que eles tinham se conectado e cada vez que ele tinha se afastado, podia ser capaz de encontrar alguma razão por trás do comportamento errático de Justin. Mas sua lista até agora estava apenas deprimindo-a. Ela amassou a página numa bola.
Quando o sino soou finalmente para liberá-los pelo dia, Luce saiu apressada da sala de aula. Normalmente ela esperava para andar com Ariane ou Penn, temendo os momentos em que seus caminhos se separavam, porque então Luce ficaria sozinha com seus pensamentos. Mas hoje, para variar, ela não teve vontade de ver ninguém. Ela estava ansiando um tempo para Luce. Tinha apenas uma ideia certeira sobre como desviar sua mente de Justin: uma nadada longa, difícil e solitária.
Enquanto os outros alunos começaram a caminhar de volta na direção de seus dormitórios, Luce puxou o capuz do seu suéter preto e lançou-se na chuva, ansiosa para chegar à piscina. Enquanto descia os degraus de Agustine, se deparou diretamente com algo alto e negro. Cam.
Quando trombou com ele, uma torre de livros balançou em seus braços, então caiu na calçada molhada em uma série de batidas. Ele estava com o seu próprio capuz preto puxado sobre sua cabeça e seus fones de ouvido berrando em seus ouvidos. Provavelmente não a tinha visto chegando, tampouco. Ambos tinham estado em seus próprios mundos.
— Você está bem? — ele perguntou, colocando uma mão nas costas dela.
— Estou bem.
Ela mal tinha tropeçado. Foram os livros de Cam tombaram.
— Bem, agora que nós derrubamos os livros um do outro, o próximo passo não são que nossas mãos se toquem acidentalmente enquanto os pegamos?
Luce riu. Quando ela lhe entregou um dos livros, ele segurou sua mão e apertou-a. A chuva tinha encharcado seu cabelo escuro, e grandes gotas reuniam-se em seus cílios longos e espessos. Ele parecia muito bem.
— Como se diz “constrangido” em francês? — ele perguntou.
— Hm... gênée — Luce começou a dizer, sentindo-se ela própria um pouco gênée de repente. Cam ainda estava segurando sua mão. — Espere, não foi você quem tirou um 10 no teste de Francês ontem?
— Você notou? — ele perguntou. Sua voz soou estranha.
— Cam, está tudo bem?
Ele se inclinou na direção dela e retirou uma gota d’água que ela sentira escorrer pela ponte de seu nariz. O simples toque de seu dedo indicador a fez estremecer, e de repente ela não podia deixar de pensar quão maravilhoso e acolhedor podia ser se ele dobrasse-a em seus braços da forma como tinha feito no memorial de Todd.
— Eu estive pensando em você — ele disse. — Querendo te ver. Eu esperei por você no memorial, mas alguém me disse que tinha ido embora.
Luce teve o pressentimento de que ele sabia com quem ela saíra. E que ele queria que ela soubesse que ele sabia.
— Sinto muito — ela disse, tendo que gritar para ser ouvida sobre um ruído de trovão.
Agora ambos estavam encharcados pelo aguaceiro jorrando.
— Venha, vamos sair dessa chuva — Cam puxou suas costas na direção da entrada coberta de Agustine.
Luce olhou sobre o ombro dele na direção do ginásio e quis estar lá, não aqui ou em qualquer outro lugar com Cam. Pelo menos, não agora. Sua cabeça estava cheia até a borda de tantos impulsos confusos, e ela precisava de tempo e espaço longe – de todos – para discerni-los.
— Eu não posso — ela respondeu.
— Que tal mais tarde? Que tal hoje à noite?
— Claro, mais tarde, tudo bem.
Ele ficou radiante.
— Passarei no seu quarto.
Ele a surpreendeu ao puxá-la para si, apenas pelo mais breve dos momentos, e a beijando suavemente na testa. Luce se sentiu instantaneamente aliviada, quase como se tivesse ganho uma dose de alguma coisa. E antes que ela tivesse a chance de sentir algo mais, ele a soltou e estava andando rapidamente de volta na direção do dormitório.
Luce balançou sua cabeça e chapinhou lentamente em direção ao ginásio. Evidentemente ela tinha que resolver mais do que apenas Justin.
Havia uma possibilidade de que poderia ser bom, até divertido, passar algum tempo com Cam, mais tarde essa noite. Se a chuva passasse, ele provavelmente a levaria para uma parte secreta do campus e seria totalmente carismático e lindo naquela maneira intimidantemente tranquila dele. Ele a faria se sentir especial. Luce sorriu.
Desde a última vez em que ela tinha posto os pés na Nossa Senhora da Ginástica (como Ariane tinha batizado o ginásio), o pessoal de manutenção da escola começou a lutar contra o kudzu. Eles haviam retirado a cortina verde da maior parte da fachada do prédio, mas tinham acabado apenas a metade, e vinhas verdes balançavam como tentáculos pelas portas. Luce teve que se abaixar sob alguns rebentos compridos apenas para que pudesse entrar.
O ginásio estava vazio, e silencioso a ponto de se ouvir uma agulha cair, em comparação com a tempestade lá fora.
A maior parte das luzes estava desligada. Ela não tinha perguntado se tinha permissão para usar o ginásio fora do horário, mas a porta estava destrancada, e, bem, ninguém está lá para impedi-la.
No corredor turvo, ela passou pelos antigos manuscritos em latim nas caixas de vidro, e pela reprodução em miniatura de mármore de Pietá. Ela parou na frente da porta da sala de musculação, onde tinha se deparado com Justin pulando corda. Suspiro. Isso seria uma grande adição ao seu catálogo:

18 de setembro: JB me acusa de persegui-lo.
Seguido dois dias mais tarde por:
20 de setembro: Penn me convence de realmente começar a persegui-lo. Eu consinto.

Argh. Ela estava em um buraco negro de autodepreciação. E ainda assim não conseguia parar a si mesma. No meio do corredor, ela congelou. De uma só vez ela compreendeu porque este dia todo ela se sentira ainda mais consumida por Justin do que o habitual, e também ainda mais confusa quanto ao Cam. Ela sonhara com ambos na noite passada.
Ela estivera andando através de um nevoeiro cinzento, alguém segurando sua mão. Ela se virara, pensando que seria Justin. Mas embora os lábios de quem ela estivera pressionando fossem reconfortantes e carinhosos, não eram dele. Eles eram de Cam. Ele deu-lhe inúmeros beijos suaves, e cada vez que Luce o espiava, seus tempestuosos olhos verdes estavam abertos, também, penetrando-a, interrogando-a sobre algo que ela não podia responder.
Então Cam se fora, e o nevoeiro se fora, e Luce estava enrolada apertadamente nos braços de Justin, exatamente onde queria estar. Ele a apertou e a beijou ferozmente, como se estivesse com raiva, e cada vez que seus lábios deixavam os dela, mesmo que por apenas meio segundo, a sede mais seca a percorria, fazendo-a gritar. Desta vez, ela sabia que eram asas, e ela as deixou se enrolarem ao redor de seu corpo como um cobertor. Ela queria tocá-las, dobrá-las ao redor de si mesma e de Justin completamente, mas logo o roçar de veludo estava recuando, dobrando-se sobre si mesmo. Ele parou de beijá-la, observou seu rosto, esperou por uma reação. Ela não entendeu o estranho medo quente crescendo na boca do seu estômago. Mas lá estava, deixando-a desconfortavelmente quente, então quente até fazer bolhas – até que ela não pudesse mais aguentar. Foi quando ela acordou de repente: No último momento do sonho, a própria Luce tinha queimado e se despedaçado – então tinha sido destruída até virar cinzas.
Ela acordara encharcada de suor – seu cabelo, seu travesseiro, seu pijama todos molhados e de repente a fazendo se sentir com muito, muito frio. Ela ficara deitada lá tremendo e sozinha até a primeira luz da manhã.
Luce esfregou suas mangas encharcadas de chuva para se aquecer. É claro. O sonho tinha deixado-a com um fogo no seu coração e um frio nos seus ossos que ela tinha sido incapaz de conciliar o dia todo. E era por isso que ela viera aqui para nadar, para tentar tirar isso de seu sistema.
Dessa vez, seu maiô preto realmente servia, e ela se lembrara de trazer um par de óculos de natação. Ela empurrou a porta para a piscina e ficou sob a plataforma alta de mergulho sozinha, respirando o ar úmido com seu odor maçante de cloro. Sem a distração dos outros alunos, ou o estímulo do apito da Treinadora Diante, Luce conseguia sentir a presença de outra coisa na Igreja. Algo quase sagrado.
Talvez fosse simplesmente que a piscina fosse um lugar tão lindo, mesmo com a chuva caindo pelas janelas rachadas de vitrais. Mesmo com nenhuma das velas acesas nos altares laterais vermelhos.
Luce tentou imaginar como o lugar era antes da piscina ter substituído os bancos, e sorriu. Gostava da ideia de nadar sob todas aquelas cabeças orando.
Ela baixou os óculos e pulou para dentro.
A água estava quente, muito mais quente que a chuva lá fora, e o estrondo do trovão lá fora parecia inofensivo e longe enquanto ela abaixava sua cabeça debaixo d'água.
Ela se impulsionou e começou um nado lento de aquecimento. Seu corpo rapidamente relaxou, e algumas voltas mais tarde, Luce aumentou sua velocidade e começou o borboleta. Ela conseguia sentir a queimação em seus membros, e se forçou.
Era exatamente dessa sensação que ela estava atrás. Totalmente à vontade.
Se ela pudesse apenas falar com Justin. Realmente falar, sem ele lhe interromper ou lhe dizer para transferir de escola ou escapar antes que ela pudesse chegar ao ponto. Isso podia ajudar. Também poderia exigir que ele fosse amarrado e sua boca fechada simplesmente para que ele a ouvisse.
Mas o que ela diria? Tudo o que ela era essa sensação que tinha perto dele, que, se ela pensasse nisso, não tinha nada a ver com suas interações. E se ela pudesse levá-lo de volta para o lago? Fora ele quem tinha deixado implícito que aquele se tornara o lugar deles. Dessa vez, ela poderia levá-lo até lá, e ela seria supercuidadosa para não trazer à tona algo que pareceria assustá-lo – não estava funcionando.
Droga. Ela estava fazendo isso de novo. Ela deveria estar nadando. Só nadando. Ela nadaria até que estivesse cansada demais para pensar em qualquer outra coisa, especialmente Justin.
Ela nadaria até...
— Luce!
Até que fosse interrompida. Por Penn, que estava de pé ao lado da piscina.
— O que você está fazendo aqui? — Luce perguntou, cuspindo água.
— O que você está fazendo aqui? — Penn disparou de volta. — Desde quando você faz exercícios de boa vontade? Eu não gosto deste seu novo lado.
— Como você me encontrou? — Luce não percebeu até que tivesse dito que suas palavras podiam ter soado rudes, como se ela estivesse tentando evitar Penn.
— Cam me disse. Tivemos uma conversa inteira. Foi estranho. Ele queria saber se você estava bem.
— Isso é estranho — Luce concordou.
— Não, o que foi estranho foi que ele se aproximou de mim e tivemos uma conversa inteira. O Sr. Popularidade... e eu. Preciso soletrar ainda mais a minha surpresa? O negócio é que, ele foi realmente muito bonzinho.
— Bem, ele é bonzinho — Luce tirou os óculos de sua cabeça.
— Com você. Ele é tão bonzinho com você que ele escapuliu da escola para lhe comprar aquele colar – que você nunca usa.
— Eu usei uma vez — Luce respondeu.
O que era verdade. Há cinco noites, depois da segunda vez que Justin a deixou encalhada no lago, sozinha com ou caminho dele iluminado na floresta. Ela não fora capaz de se desvencilhar da imagem e não fora capaz de dormir. Então ela experimentara o colar. Adormecera segurando-o perto de sua clavícula, e acordara com ele quente na sua mão.
Penn estava acenando três dedos para Luce, como se dissesse: Oi? E qual a razão disso...?
— A razão disso é — Luce disse finalmente — eu não sou tão superficial que tudo pelo que estou procurando é um cara que me compra coisas.
— Não é tão superficial, hein? — Penn perguntou. — Então eu te desafio a fazer uma lista não-superficial do por que você está tão afim do Justin. O que significa nada de Ele tem os olhinhos cor de mel mais adoráveis ou Ooh, a maneira como seus músculos ondulam na luz do sol.
Luce teve que rir do falsete agudo de Penn e da maneira como ela segurava suas mãos cruzadas sobre o peito.
— Ele simplesmente me entende — ela disse, evitando os olhos de Penn. — Eu não consigo explicar isso.
— Ele entende que você merece ser ignorada? — Penn sacudiu a cabeça.
Luce nunca tinha dito a Penn sobre os momentos que ela passara sozinha com Justin, os momentos em que vira um relampejo de que ele se preocupava com ela, também. Então Penn não conseguia entender realmente seus sentimentos. E eles eram muito particulares e muito complicados para se explicar.
Penn se agachou na frente de Luce.
— Olha, a razão pela qual eu vim te procurar, em primeiro lugar, foi para arrastá-la para a biblioteca para uma missão relacionada ao Justin.
— Encontrou o livro?
— Não exatamente — ela respondeu, estendendo uma mão para ajudar Luce a sair da piscina. — A obra-prima do Sr. Bieber ainda está misteriosamente desaparecida, mas eu meio que tipo hackeei o mecanismo de busca literário somente para assinantes da Senhorita Sophia, e algumas coisas apareceram. Eu achei que você poderia achá-las interessantes.
— Obrigada — Luce agradeceu, içando-se para fora com a ajuda de Penn. — Eu vou tentar não ser irritantemente sentimental sobre o Justin.
— Que seja. Apenas se apresse e se seque. Nós temos um breve período sem chuva ali fora e eu não tenho um guarda-chuva.
Quase toda seca e de volta em seu uniforme escolar, Luce seguiu Penn até a biblioteca. Parte da porção da frente havia sido bloqueada por fitas amarelas da polícia, então as meninas tiveram que escapulir pelo espaço estreito entre o catálogo de cartas e a seção de referência. Ainda cheirava a fogueira, e agora, graças aos irrigadores e à chuva, possuía um cheiro acrescentado de mofo.
Luce deu sua primeira olhada para onde estivera a mesa da Senhorita Sophia, agora um círculo carbonizado quase perfeito sobre o velho chão de azulejo no centro da biblioteca. Tudo em um raio de quatro metros e meio tinha sido removido. O resto estava estranhamente intacto.
A bibliotecária não estava em seu posto, mas uma mesa dobrável havia sido posta para ela ao lado do local queimado. A mesa estava deprimentemente vazia, exceto por um abajur novo, um porta-lápis e um bloco de papel.
Luce e Penn lançaram uma a outra uma careta de que droga antes de continuarem para a estação de computadores nos fundos. Quando elas passaram a seção de estudo onde tinham visto Todd pela última vez, Luce olhou para sua amiga. Penn manteve seu rosto para frente, mas quando Luce estendeu a mão e apertou a mão dela, Penn apertou de volta muito firme.
Elas puxaram duas cadeiras até um terminal de computador, e Penn digitou seu nome de usuário. Luce olhou ao redor só para ter certeza que ninguém mais estava por perto. Uma caixa vermelha de erro apareceu na tela.
Penn gemeu.
— O quê? — Luce perguntou.
— Depois das quatro, você precisa de permissão especial para acessar a net.
— É por isso que este lugar é sempre tão vazio à noite.
Penn estava revirando sua mochila.
— Onde eu coloquei aquela senha criptografada? — ela murmurou.
— Ali está a Senhorita Sophia — Luce disse, sinalizando para a bibliotecária, que estava atravessando o corredor com uma blusa preta justa e calça pescador verde clara. Seus brincos brilhantes roçavam os ombros, e ela tinha um lápis enfiado na lateral de seu cabelo.
— Aqui — Luce sussurrou em voz alta.
A Senhorita Sophia espremeu os olhos para elas. Seus óculos bifocais tinham deslizado nariz abaixo, e com uma pilha de livros em cada braço, ela não tinha uma mão livre para empurrá-los para cima.
— Quem é? — ela chamou, andando até lá. — Oh, Lucinda. Pennyweather — ela disse, parecendo cansada. — Olá.
— Nós estávamos pensando se você poderia nos dar a senha para usar o computador — Luce comentou, apontando para a mensagem de erro na tela.
— Você não vai usar redes sociais, não é? Esses sites são obra do diabo.
— Não, não, esta é uma investigação séria — disse Penn. — Você aprovaria.
A Senhorita Sophia se inclinou sobre as meninas para desbloquear o computador. Dedos voando, ela digitou a senha mais longa que Luce já tinha visto.
— Vocês têm vinte minutos — falou sem rodeios, indo embora.
— Isso deve ser suficiente — Penn sussurrou. — Eu encontrei um ensaio crítico sobre Os Observadores, então até que rastreemos o livro, podemos pelo menos ler sobre o que se trata.
Luce percebeu alguém parado atrás dela e se virou para ver que a Senhorita Sophia tinha retornado. Luce pulou.
— Desculpe — ela disse. — Eu não sei por que você me assustou.
— Não, sou eu quem deve pedir desculpas — a Senhorita Sophia disse. Seu sorriso praticamente fazia seus olhos desaparecerem. — É só que tem sido tão difícil ultimamente, desde o incêndio. Mas não há nenhuma razão para descarregar a minha tristeza em duas das minhas alunas mais promissoras.
Nem Luce nem Penn sabiam exatamente o que dizer. Era uma coisa confortar uma a outra após o incêndio. Tranquilizar a bibliotecária da escola parecia um pouco demais para elas.
— Eu tenho tentado me manter ocupada, mas... — a Senhorita Sophia dissipou-se.
Penn olhou nervosamente para Luce.
— Bem, poderíamos precisar de alguma ajuda com a nossa pesquisa, se, quer dizer, você...
— Posso ajudar! — Senhorita Sophia puxou uma terceira cadeira. — Vejo que estão pesquisando Os Observadores — disse ela, lendo sobre seus ombros. — Os Bieber's foram um clã muito influente. E acontece que eu conheço um banco de dados papal. Deixe-me ver o que eu consigo achar.
Luce quase engasgou no lápis que ela estava mastigando.
— Desculpa, você disse Bieber's?
— Ah sim, historiadores os traçaram até a Idade Média. Eles eram... — Ela fez uma pausa, procurando pelas palavras. — Uma espécie de grupo de pesquisadores, para colocar em termos leigos modernos. Eles se especializaram em um determinado tipo de folclore de anjo caído.
Ela estendeu a mão entre as meninas novamente e Luce maravilhou-se enquanto seus dedos corriam pelo teclado. O mecanismo de busca apanhou para acompanhar, puxando artigo após artigo, fonte primária depois de fonte primária, todos sobre os Bieber's. O nome da família de Justin estava em toda parte, enchendo a tela. Luce sentiu-se um pouco tonta.
A imagem de seu sonho voltou para ela: asas desenrolando-se, seu corpo aquecendo até que ela ardesse em cinzas.
— Há diferentes tipos de anjos em que se especializar? — Penn perguntou.
— Ah, claro – é um vasto campo da literatura — a Senhorita Sophia disse enquanto digitava. — Há aqueles que se tornam demônios. E aqueles que exaltam Deus. E há ainda aqueles que se davam com mulheres mortais. — Por fim seus dedos pararam. — Hábito muito perigoso.
Penn indagou:
— Esses caras, Observadores, tem alguma relação com o Justin Bieber daqui?
A Senhorita Sophia tocou seus lábios cor de malva.
— Bem possível. Eu mesma me perguntei isso, mas não é nada da nossa conta ficar se metendo nos assuntos dos alunos, não concordam?
Seu rosto pálido apertou-se em uma carranca enquanto ela olhava para o relógio.
— Bem, eu espero ter lhes dado o suficiente para começarem seu projeto. Eu não vou mais monopolizar o seu tempo — ela apontou para um relógio na tela do computador. — Vocês só têm nove minutos restantes.
Enquanto ela voltou para a frente da biblioteca, Luce observou a postura perfeita da Senhorita Sophia. Ela poderia ter equilibrado um livro em sua cabeça. Parecia mesmo que tinha animado-a um pouco ajudar as meninas com sua pesquisa, mas ao mesmo tempo, Luce não tinha ideia do que fazer com a informação que lhe acabara de ser dada sobre Justin.
Penn tinha. Ela já começara a rabiscar notas furiosas.
— Oito minutos e meio — informou à Luce, entregando-lhe uma caneta e um pedaço de papel. — Tem coisas demais aqui para entender em oito minutos e meio. Comece a escrever.
Luce suspirou e fez o que lhe foi dito. Era uma página acadêmica maçante da web, desenhada com uma borda fina azul enquadrando um fundo liso bege. No alto, em um cabeçalho com uma fonte rigorosamente negrita se lia: O CLÃ BIEBER.
Apenas lendo o nome, Luce sentiu sua pele aquecer.
Penn bateu no monitor com sua caneta, voltando a atenção de Luce para sua tarefa.
Os Bieber's não dormem. Parecia possível; Justin sempre parecia cansado. Eles são geralmente quietos. Certo. Às vezes falar com ele era como extrair os dentes. Em um decreto do século VIII...
A tela ficou preta. O tempo delas acabara.
— Quanto você conseguiu? — Penn perguntou.
Luce ergueu sua folha de papel. Patético. O que ela tinha era algo que ela nem sequer se lembrava de ter rabiscado: as bordas das penas de asas.
Penn deu-lhe um olhar lateral.
— Sim, posso ver que você será uma excelente assistente de pesquisa — disse ela, mas ela estava rindo. — Talvez mais tarde nós poderíamos teorizar um jogo de MASH — ela ergueu as próprias anotações muito mais abundantes. — Tudo bem, eu tenho o suficiente para nos levar a algumas outras fontes.
Luce enfiou o papel no seu bolso ao lado da lista mestre amassada que ela começara sobre todas as suas interações com Justin. Ela estava começando a transformar-se no seu pai, que não gostava de estar em qualquer lugar muito longe do seu triturador de papel. Ela se abaixou para procurar uma lixeira e avistou um par de pernas andando pelo corredor em direção a elas.
A marcha era tão familiar quanto a dela própria. Ela sentou-se de volta – ou tentou sentar-se de volta – e bateu sua cabeça na parte inferior da mesa do computador.
— Ai — ela gemeu, esfregando o local onde batera sua cabeça no incêndio da biblioteca.
Justin estava parado a poucos metros de distância. Sua expressão dizia que a última coisa no mundo que ele queria agora era topar com ela. Pelo menos ele apareceu depois que o computador tinha feito logoff. Ele não precisa pensar que ela estava perseguindo-o ainda mais ativamente do que ele já pensava.
Mas Justin parecia estar olhando através dela; seus olhos cor de mel estavam fixados em cima do seu ombro, em algo – ou alguém.
Penn bateu no ombro de Luce, então girou seu polegar na direção da pessoa de pé atrás dela. Cam estava inclinando-se sobre a cadeira de Luce e sorrindo para ela. Um raio lá fora fez com que Luce praticamente pulasse nos braços de Penn.
— Só uma tempestade — disse Cam, inclinando sua cabeça. — Vai dissipar-se em breve. Uma pena, porque você fica uma gracinha quando está com medo.
Cam avançou a mão. Ele começou em seu ombro, então traçou a ponta de seu braço com seus dedos até sua mão. Os olhos dela vibraram, era tão bom, e quando ela os abriu, havia uma pequena caixa de veludo rubi na sua mão. Cam a abriu, só por um segundo, e Luce viu um relampejo de ouro.
— Abra-a mais tarde. Quando você estiver sozinha.
— Cam...
— Eu passei no seu quarto.
— Podemos... — Luce olhou para Penn, que estava descaradamente olhando para eles com um encanto de espectador de filme na primeira fila.
Finalmente saindo de seu transe, Penn agitou suas mãos.
— Você quer que eu vá. Entendo.
— Não, fique — Cam falou, soando mais doce do que Luce esperava. Ele se virou para Luce. — Eu vou. Mas mais tarde – você promete?
— Claro.
Ela sentiu-se corar.
Cam pegou sua mão e empurrou-a e a caixa para dentro do bolso frontal esquerdo de sua calça jeans. Ficou apertada, e a fez estremecer sentir os dedos dele espalharem-se em seus quadris.
Então ele piscou e virou as costas.
Antes que ela tivesse a chance de recuperar o fôlego, ele voltou.
— Uma última coisa — falou, deslizando seu braço para trás da cabeça dela e se aproximando.
A cabeça dela inclinou-se para trás e a dele para frente, e a boca dele estava sobre a dela. Seus lábios eram tão macios quanto pareceram todas as vezes que Luce os encarou. Não foi profundo, só um selinho, mas Luce sentiu como se fosse muito mais. Ela não conseguia respirar por causa do choque e da emoção e da potencial exibição pública desse muito longo, muito inesperado.
— Que diabos...
A cabeça de Cam tinha girado, e então ele estava encurvado, segurando seu queixo. Justin estava de pé atrás dele, esfregando o pulso.
— Mantenha suas mãos longe dela.
— Não te ouvi — disse Cam, levantando-se lentamente.
Ai. Meu. Deus. Eles estavam lutando. Na biblioteca. Por ela.
Então, em um movimento limpo, Cam disparou-se para Luce. Ela gritou enquanto os braços dele começaram a fechar em torno dela. Mas as mãos de Justin foram mais rápidas. Ele golpeou duramente Cam para longe, e empurrou-o contra a mesa do computador. Cam grunhiu enquanto Justin pegava um punhado de seu cabelo e prensava sua cabeça para baixo.
— Eu disse parar manter suas mãos imundas longe dela, seu merdinha maligno.
Penn gritou, pegou seu estojo, e foi na ponta dos pés até a parede. Luce observou enquanto ela jogava seu estojo amarelo sujo uma vez, duas vezes, três vezes no ar. Na quarta vez, ele foi alto o suficiente para acertar a pequena câmera preta parafusada na parede. O golpe desviou a lente da câmera para a esquerda, em direção a uma pilha muito parada de livros de não-ficção.
Nessa hora, Cam tinha jogado Justin para fora e eles estavam circundando um ao outro, seus pés rangendo no chão polido.
Justin começou a esquivar-se antes que Luce sequer percebesse que Cam estava pegando impulso. Mas Justin não esquivou-se com rapidez suficiente. Cam acertou o que pareceu ser um soco de nocaute logo abaixo do olho de Justin. Justin rodou para trás devido à força disso, empurrando Luce e Penn contra a mesa do computador. Ele se virou e murmurou um pedido de desculpas confuso antes de retornar.
— Ai meu Deus, parem! — Luce gritou, pouco antes de ele pular na cabeça do Cam.
Justin parou Cam, lançando uma onda bagunçada de golpes nos seus ombros e nas laterais de seu rosto.
— Isso é gostoso — Cam resmungou, estalando o pescoço de um lado para outro como um boxeador.
Ainda persistindo, Justin deslocou suas mãos ao redor do pescoço de Cam. E espremeu. Cam respondeu ao lançar Justin de volta contra uma estante alta de livros. O impacto explodiu pela biblioteca, mais alto do que o trovão do lado de fora.
Justin resmungou e soltou. Ele caiu no chão com um baque.
— O que mais você tem, Bieber?
Luce cambaleou, pensando que ele podia não se levantar. Mas Justin se levantou rapidamente.
— Eu vou mostrar para você — ele sibilou. — Lá fora. — Ele foi até Luce, então afastou-se. — Você fica aqui.
Então ambos os garotos saíram da biblioteca, através da saída traseira que Luce usara na noite do incêndio. Ela e Penn ficaram congeladas em seus lugares. Elas encararam uma a outra, as bocas abertas.
— Vamos — disse Penn, arrastando Luce para uma janela que dava para a área comum.
Elas apertaram seus rostos no vidro, apagando a bruma de suas respirações.
A chuva estava caindo pesadamente. O campo lá fora estava escuro, exceto pela luz que entrava pelas janelas da biblioteca. Estava tão enlameado e escorregadio, era difícil ver alguma coisa. Então duas figuras saíram do centro da área comum. Ambos ficaram ensopados instantaneamente. Eles discutiram por um momento, depois começaram a circular um ao outro. Seus punhos foram erguidos novamente.
Luce segurou o parapeito da janela e observou enquanto Cam fez o primeiro movimento, correndo até Justin e batendo nele com o ombro. Então um rápido chute giratório em suas costelas.
Justin tombou, agarrando seus lados. Levante-se. Luce motivou-lhe a se mover. Ela sentia como se ela própria tivesse sido chutada. Cada vez que Cam ia para cima de Justin, ela sentia em seus ossos.
Ela não aguentava assistir.
— Justin tropeçou por um segundo ali — Penn anunciou após Luce ter se virado. — Mas ele disparou diretamente e totalmente marcou o Cam no rosto. Boa!
— Você está gostando disso? — Luce perguntou, horrorizada.
— Meu pai e eu costumávamos assistir UFC. Parece que esses dois caras tiveram alguma formação séria em artes marciais misturadas. Perfeito cruzamento, Justin!
Ela gemeu.
— Ai, cara.
— O quê? — Luce espiou novamente. — Ele está ferido?
— Relaxe. Alguém está vindo para acabar com a luta. Bem quando Justin estava se recuperando.
Penn estava certa. Parecia que o Sr. Cole estava correndo pelo campus. Quando chegou ao local onde os garotos estavam brigando, ele parou e assistiu-os por um momento, quase hipnotizado pela maneira como eles estavam lutando.
— Faça alguma coisa — Luce sussurrou, sentindo-se enojada.
Finalmente, o Sr. Cole agarrou cada garoto pela nuca. Os três lutaram por um momento até que Justin finalmente se desvencilhou. Ele balançou sua mão direita, então marchou em um círculo e cuspiu algumas vezes na lama.
— Muito atraente, Justin— Luce disse sarcasticamente. Exceto que era.
Agora para uma conversa com o Sr. Cole. Ele acenou suas mãos loucamente para eles e eles ficaram parados com as cabeças pendendo. Cam foi o primeiro a ser dispensado. Ele correu pelo campo na direção do dormitório e desapareceu.
O Sr. Cole colocou uma mão no ombro de Justin. Luce estava morrendo de vontade de saber o que eles estavam falando, se Justin seria punido. Ela queria ir até ele, mas Penn a bloqueou.
— Tudo isso por causa de uma joia. O que Cam lhe deu, afinal?
O Sr. Cole saiu e Justin ficou sozinho, de pé à luz de um poste de luz acima, olhando para a chuva.
— Eu não sei — Luce respondeu a Penn, deixando a janela. — Seja o que for, eu não quero. Especialmente depois disso.
Ela voltou para a mesa do computador e tirou a caixa de seu bolso.
— Se você não vai olhar, eu vou.
Ela abriu a caixa, então olhou para Luce, confusa.
O relampejo de ouro que elas tinham visto não tinha sido de joia. Havia apenas duas coisas dentro da caixa: outra palheta verde de Cam e um pedaço dourado de papel.

Encontre-me amanhã depois da aula. Eu estarei esperando nos portões.
-C

Continua...