quarta-feira, 5 de março de 2014

Fallen: Capítulo 11 "Rude despertar"

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— Está com medo? — Justin perguntou.
Sua cabeça estava inclinada para o lado, seu cabelo dourado desgrenhado por uma brisa suave. Ele estava segurando-a, e enquanto seu aperto estava firme em torno de sua cintura, era tão suave e leve como um lenço de seda. Seus próprios dedos estavam entrelaçados atrás do pescoço sem camisa dele.
Ela estava com medo? Claro que não. Ela estava com Justin. Finalmente. Em seus braços. A verdadeira questão incomodando nos fundos de sua mente era: Deveria ficar com medo? Ela não podia ter certeza. Nem mesmo sabia onde estava.
Ela conseguia sentir o cheiro de chuva no ar, próxima. Mas tanto ela quanto Justin estavam secos. Ela conseguia sentir um longo vestido branco fluindo até seus tornozelos. Havia só um pouco de luz do dia restante. Luce sentiu um arrependimento penetrante ao desperdiçar o pôr-do-sol, como se houvesse algo que ela pudesse fazer para detê-lo. De alguma forma, ela sabia que esses raios de luz finais eram tão preciosos quanto as últimas gotas de mel em um jarro.
— Você fica comigo? — ela perguntou.
Sua voz era o mais fino sussurro, quase cancelado por um gemido baixo de trovão. Uma rajada de vento girou ao redor deles, soprando o cabelo de Luce em seus olhos. Justin cruzou seus braços com mais força ao redor dela, até que ela conseguisse respirar a respiração dele, pudesse sentir o cheiro da pele dele na dela.
— Para sempre — ele sussurrou de volta.
O som doce de sua voz a completou.
Havia um pequeno arranhão do lado esquerdo da testa dele, mas ela esqueceu dele enquanto Justin pegou suas bochechas entre as mãos e trouxe seu rosto mais para perto. Ela inclinou sua cabeça para trás e sentiu todo o seu corpo ficar frouxo de expectativa.
Finalmente, finalmente, os lábios dele desceram nos dela com uma urgência que tirou seu fôlego. Ele a beijou como se ela pertencesse a ele, tão naturalmente como se ela fosse alguma parte dele há muito tempo perdida que ele pudesse enfiar recuperar.
Então a chuva começou a cair. Ensopou seus cabelos, correu pelos seus rostos e suas bocas. A chuva estava quente e inebriante, como os próprios beijos.
Luce esticou sua mão ao redor das costas dele para puxá-lo mais para perto, e suas mãos deslizavam em algo aveludado. Ela correu uma mão sobre isso, depois outra, buscando seus limites, e então olhou para além do rosto brilhante de Justin. Algo estava se desenrolando atrás dele.
Asas. Lustrosas e iridescentes, batendo devagar, sem esforço, brilhando na chuva. Ela as tinha visto antes, talvez, ou algo parecido com elas, em algum lugar.
— Justin — ela falou, arfando.
As asas consumiram sua visão e sua mente. Elas pareciam girar em um milhão de cores, fazendo sua cabeça doer. Luce tentou olhar para outro lugar, para qualquer outro lugar, mas de todos os lados, tudo que ela podia ver além de Justin eram os rosas e azuis infinitos do céu se pondo. Até que ela olhou para baixo e observou uma última coisa. O chão. Milhares de metros abaixo deles.
***
Quando ela abriu seus olhos, estava muito claro, sua pele muito seca, e havia uma dor imobilizante na parte de trás de sua cabeça. O céu tinha ido embora, assim como Justin. Outro sonho.
Só que esse a deixou se sentindo quase doente de desejo.
Ela estava em um quarto de paredes brancas. Deitada em uma cama de hospital. À sua esquerda, uma cortina fina como papel tinha sido arrastada pela metade do quarto, separando-a de algo se movimentando no outro lado.
Luce delicadamente tocou o ponto tenro na base do seu pescoço e choramingou. Ela tentou se orientar. Não sabia onde estava, mas tinha uma nítida sensação de que não estava mais na Sword & Cross. Seu vestido branco largo era – ela deu um tapinha nas laterais – uma folgada camisola de hospital. Ela conseguia sentir cada parte do sonho escapulindo – tudo exceto aquelas asas. Elas tinham sido tão reais. O toque delas tão aveludado e fluído. Seu estômago agitou-se. Ela fechou e abriu seus punhos, hiperconsciente de seu vazio.
Alguém agarrou e apertou sua mão direita. Luce virou sua cabeça rapidamente e recuou. Ela tinha assumido que estava sozinha. Gabbe estava empoleirada na beira de uma cadeira giratória azul desbotada que parecia, irritantemente, realçar a cor dos olhos.
Luce queria se desvencilhar – ou pelo menos, ela esperou querer se desvencilhar – mas então Gabbe lançou-lhe o sorriso mais quente, um que fez Luce se sentir, de alguma forma, segura, e ela percebeu que estava feliz por não estar sozinha.
— Quanto disso foi um sonho? — ela murmurou.
Gabbe riu. Ela tinha um pote de creme para cutículas na mesa ao lado dela, e começou a esfregar o negócio branco com aroma de limão nas unhas de Luce.
— Isso tudo depende — ela respondeu, massageando os dedos de Luce. — Mas não se importe com sonhos. Eu sei que sempre quando sinto o meu mundo virando de cabeça para baixo, nada me acalma como uma manicure.
Luce olhou para baixo. Ela nunca fora muito de esmalte, mas as palavras de Gabbe a lembraram de sua mãe, que sempre sugeria que elas fossem à manicure quando Luce tinha um dia ruim.
Enquanto as mãos lentas de Gabbe trabalhavam em seus dedos, Luce se perguntava se todos esses anos ela estivera perdendo isso.
— Onde nós estamos? — ela perguntou.
— Hospital Lullwater.
Sua primeira viagem para fora do campus e ela acabara em um hospital a cinco minutos da casa dos seus pais. Na última vez em que ela estivera aqui fora para tirar três pontos de seu cotovelo quando ela caíra da sua bicicleta. Seu pai não havia deixado o seu lado. Agora ele não estava em lugar algum.
— Há quanto tempo estou aqui?
Gabbe olhou para o relógio branco na parede e disse:
— Eles te acharam desmaiada devido a inalação de fumaça na noite passada por volta das onze. É procedimento operacional padrão chamar o Técnico de Emergência Médica quando encontram alguém do reformatório inconsciente, mas não se preocupe, Randy disse que vão te deixar sair daqui logo logo. Assim que seus pais assentirem...
— Meus pais estão aqui?
— E cheios de preocupação com a filha deles, até as pontas do cabelo com permanente da sua mamãe. Eles estão no corredor, se afogando em papelada. Eu disse a eles que ficaria de olho em você.
Luce resmungou e apertou seu rosto no travesseiro, convocando a profunda dor na parte de trás de sua cabeça novamente.
— Se você não quiser vê-los...
Mas Luce não resmungava por causa de seus pais. Ela estava morrendo de vontade de ver seus pais. Ela estava se lembrando da biblioteca, do fogo, e da nova geração de sombras que ficava mais assustadora cada vez que a encontravam. Elas sempre foram escuras e feias, elas sempre a fizeram se sentir nervosa, mas ontem à noite, tinha quase parecido como se as sombras quisessem algo dela. E então houve aquela outra coisa, a força levitante que a libertou.
— Que cara é essa? — Gabbe perguntou, inclinando sua cabeça e acenando sua mão no ar na frente do rosto de Luce. — No que está pensando?
Luce não sabia como assimilar a bondade repentina de Gabbe com ela. Assistente de enfermeira não parecia exatamente o tipo de emprego em que Gabbe seria voluntária, e não era como se houvesse algum cara por aqui cuja atenção ela pudesse monopolizar. Gabbe nem mesmo parecia gostar de Luce. Ela não apareceria aqui por vontade própria, apareceria?
Mas mesmo tão bondosa quanto Gabbe estava sendo, não havia jeito de explicar o que tinha acontecido na noite passada. A reunião pavorosa e inexprimível no corredor. A sensação surreal de ser impulsionada para frente por aquela escuridão. A figura estranha e atraente da luz.
— Onde o Todd está? — Luce perguntou, lembrando-se dos olhos amedrontados do rapaz.
Ela perdera seu aperto sobre ele, saiu voando, e então...
A cortina de papel foi repentinamente atirada para trás, e ali estava Ariane, usando patins em linha e um uniforme vermelho-e-branco cor de doce listrado. Seu curto cabelo preto estava retorcido em uma série de nós no alto da sua cabeça. Ela rolou, carregando uma bandeja na qual estavam três cocos verdes com canudos de festa em formato de guarda-chuva de cor neon.
— Agora me deixa entender — ela disse numa voz rouca, nasal. — Ponha o canudo no coco e beba ambos... opa, caras azedas. O que estou interrompendo?
Ariane parou as rodas no pé da cama de Luce. Ela estendeu uma batida de coco com um guarda-chuva rosa balançando.
Gabbe pulou e agarrou o copo primeiro, dando uma cheirada em seu conteúdo.
— Ariane, ela acabou de passar por um trauma — ela repreendeu. — E para sua informação, o que você interrompeu foi o assunto Todd.
Ariane jogou seus ombros para trás.
— Justamente o por que dela precisar de algo potente — ela debateu, segurando a bandeja possessivamente enquanto ela e Gabbe envolviam-se em um concurso de encarar.
— Ótimo — Ariane disse, olhando para longe de Gabbe. — Darei a ela sua velha bebida chata.
Ela deu a Luce o copo com o canudo azul.
Luce devia estar em algum tipo de atordoamento pós-traumático. Onde é que elas poderiam ter conseguido esse negócio? Batida de coco com guarda-chuvinhas coloridos? Era como se ela tivesse adormecido no reformatório e acordado em um hotel cinco estrelas.
— Onde vocês conseguiram todas essas coisas? — ela perguntou. — Quero dizer, obrigada, mas...
— Nós unimos nossos recursos quando precisamos — Ariane respondeu. — Roland ajudou.
As três se sentaram bebendo de forma barulhenta as bebidas geladas e doces por um momento, até que Luce não conseguisse aguentar mais.
— Então, voltando para o Todd...?
— Todd — Gabbe repetiu, limpando sua garganta. — O negócio é que... ele simplesmente inalou muito mais fumaça do que você, doçura...
— Ele não inalou — Ariane cuspiu. — Ele quebrou o pescoço.
Luce arfou, e Gabbe bateu em Ariane com sua bebida de guarda-chuva.
— O quê? — Ariane indagou. — Luce pode aguentar isso. Se ela vai descobrir eventualmente, por que adoçar a verdade?
— A evidência ainda é inconclusiva — Gabbe disse, sublinhando as palavras.
Ariane deu de ombros.
— Luce estava lá, ela deve ter visto...
— Eu não vi o que aconteceu com ele. Nós estávamos juntos e então, de alguma forma, fomos separados. Eu tive um mau pressentimento, mas eu não sabia... — ela sussurrou. — Então ele...
— Se foi desse mundo — Gabbe disse suavemente.
Luce fechou seus olhos. Um frio, que não tinha nada a ver com a bebida, se espalhou por ela. Ela se lembrou do Todd batendo freneticamente nas paredes, sua mão suada apertando a dela quando as sombras rugiram sobre eles, o momento terrível quando os dois foram separados e ela ficara muito chocada para ir até ele.
Ele tinha visto as sombras. Luce estava certa disso agora. E ele morrera.
Depois de Trevor ter morrido, nenhuma semana se passou sem uma carta de ódio encontrando seu caminho até Luce. Seus pais começaram a tentar vetar o correio antes que ela pudesse ler as coisas venenosas, mas muito ainda chegava a ela. Algumas cartas eram escritas à mão, algumas eram digitadas, uma tinha até sido cortada de letras de revistas, estilo bilhete de resgate.
Assassina, bruxa. Eles a tinham chamado de nomes cruéis o bastante para encher uma página de recados, causado agonia o bastante para mantê-la trancada dentro de casa durante todo o verão.
Ela pensara que tinha feito tanto para se afastar daquele pesadelo: deixando seu passado para trás quando ela foi para a Sword & Cross, concentrando-se em suas aulas, fazendo amigos... ah Deus.
Ela inspirou profundamente.
— E quanto a Penn? — ela perguntou, mordendo seu lábio.
— Penn está ótima — Ariane disse. — Ela é totalmente matéria de primeira página, testemunha do incêndio. Tanto ela quanto a Senhorita Sophia saíram, cheirando como um poço de fumaça do leste da Geórgia, mas ainda assim bem.
Luce soltou sua respiração. Pelo menos havia uma boa notícia. Mas sob os lençóis finos como papel fino da enfermaria, ela estava tremendo. Logo, certamente os mesmos tipos de pessoas que foram atrás dela após a morte de Trevor iriam atrás dela novamente. Não apenas os que escreveram as cartas zangadas. Dr. Sanford. Seu agente da condicional. A polícia.
Bem como antes, seria esperado que ela tivesse a história toda reunida. Que lembrasse de cada detalhe mínimo. Mas é claro que, exatamente como antes, ela não seria capaz. Numa hora, ele estivera ao seu lado, apenas os dois. Na seguinte...
— Luce!
Penn irrompeu pela sala, segurando um grande balão de hélio marrom. Tinha a forma de um band-aid e dizia Arranca em letras cursivas azuis.
— O que é isso? — ela perguntou, olhando para as outras três garotas criticamente. — Algum tipo de festa do pijama?
Ariane tinha desamarrado seus patins e subido na minúscula cama ao lado de Luce. Ela estava segurando os dois copos e deitando sua cabeça no ombro de Luce. Gabbe estava pintando esmalte transparente na mão livre de Luce.
— É — Ariane gargalhou. — Junte-se a nós, Penny. Estávamos prestes a jogar Verdade ou Desafio. Deixaremos você ir primeiro.
Gabbe tentou encobrir sua risada com um delicado espirro falso. Penn colocou suas mãos nos quadris. Luce se sentiu mal por ela, e também um pouco assustada. Penn pareceu bastante feroz.
— Um dos nossos colegas morreu na noite passada — Penn enunciou cuidadosamente. — E Luce poderia ter se machucado muito. — Ela balançou sua cabeça. — Como vocês podem brincar numa hora como essa? — ela fungou. — Isso é álcool?
— Ohhh — Ariane disse, olhando para Penn, seu rosto sério. — Você gostava dele, não gostava?
Penn pegou um travesseiro da cadeira atrás dela e jogou-o em Ariane. O negócio era que Penn estava certa. Era estranho que Ariane e Gabbe estivessem tomando a morte de Todd como algo quase leve. Como se elas vissem esse tipo de coisa acontecer o tempo todo. Como se isso não as afetasse da forma como afetava Luce. Mas elas não podiam saber o que Luce sabia sobre os últimos momentos de Todd. Elas não poderiam saber por que ela se sentia tão enojada agora. Ela deu um tapinha no pé da cama para Penn e entregou-lhe o que restava de sua bebida.
— Nós saímos pelos fundos, e então... — Luce não conseguia nem mesmo dizer as palavras. — O que aconteceu com você e a Senhorita Sophia?
Penn olhou desconfiadamente para Ariane e Gabbe, mas nenhuma se movimentou para ser insolente. Penn desistiu e se sentou na beirada da cama.
— Eu simplesmente fui lá perguntar a ela sobre... — Ela olhou para as outras duas garotas novamente, então lançou a Luce um olhar astucioso. — A pergunta que eu tinha. Ela não sabia a resposta, mas queria me mostrar outro livro.
Luce tinha esquecido tudo sobre a busca dela e de Penn na noite passada. Isso parecia tão distante e tão irrelevante depois do que havia acontecido.
— Nós nos afastamos dois passos da mesa da Senhorita Sophia — Penn continuou — e houve essa explosão maciça de luz de canto de olho. Quero dizer, li sobre combustão espontânea, mas isso foi...
Todas as três outras garotas estavam se inclinando para a frente nesse momento. A história de Penn era notícia de primeira página.
— Algo deve ter começado isso — Luce falou, tentando imaginar a mesa da Senhorita Sophia em sua mente. — Mas eu não acho que havia mais alguém na biblioteca.
Penn sacudiu a cabeça.
— Não havia. A Senhorita Sophia disse que um fio deve ter dado curto-circuito em uma lâmpada. O que quer que tenha acontecido, o fogo tinha bastante combustível. Todos os documentos dela se foram rapidamente.
Ela estalou os dedos.
— Mas ela está bem? — Luce perguntou, dedilhando a bainha parecida com papel de sua camisola de hospital.
— Perturbada, mas bem. Os extintores de incêndio foram ligados eventualmente, mas acho que ela perdeu um bando das coisas dela. Quando lhe contaram o que aconteceu com o Todd, foi quase como se ela estivesse dormente demais até mesmo para entender.
— Talvez estejamos todos dormentes demais para entender — Luce concordou. Dessa vez Gabbe e Ariane assentiram de cada lado dela. — Os... os pais do Todd sabem? — ela perguntou, querendo saber como diabos ela explicaria para seus próprios pais o que tinha acontecido.
Ela os imaginou preenchendo papelada no salão. Será que eles iriam querer vê-la? Será que eles conectariam a morte do Todd com a de Trevor... e traçariam ambas as histórias terríveis até ela?
— Eu ouvi Randy no telefone com os pais de Todd — Penn disse. — Eu acho que eles vão processar. O corpo dele está sendo mandado de volta para a Flórida mais tarde hoje.
Só isso? Luce engoliu em seco.
— A Sword & Cross vai fazer um serviço memorial para ele na quinta — Gabbe murmurou. — Justin e eu vamos ajudar a organizar.
— Justin? — Luce repetiu antes que pudesse se controlar.
Ela olhou para Gabbe, e mesmo em seu estado abatido pelo luto, ela não conseguiu evitar reverter à sua imagem inicial da garota: uma sedutora loira de lábios rosa.
— Foi ele quem achou vocês dois na noite passada — Gabbe explicou. — Ele carregou você da biblioteca até o escritório da Randy.
Justin a tinha carregado? Tipo... seus braços em volta do corpo dela? O sonho voltou correndo e a sensação de voar – não, de flutuar – a inundou. Ela se sentiu amarrada demais em sua cama. Ela sentia falta do mesmo céu, da chuva, da boca dele, dos dentes dele, da língua dele fundindo com a dela novamente. Seu rosto ficou quente, primeiro com desejo, então com a impossibilidade agonizante de tudo aquilo acontecer enquanto ela estivesse acordada. Aquelas asas gloriosas e cegantes não eram as únicas coisas fantásticas nesse sonho. O Justin da vida real somente a carregara para a enfermaria. Ele nunca iria querer ela, nunca a pegaria em seus braços, não desse jeito.
— Hã, Luce, você está bem? — Penn perguntou.
Ela estava abanando as bochechas coradas de Luce com sua bebida de guarda-chuva.
— Ótima.
Era impossível afastar aquelas asas de sua mente. Esquecer da sensação do rosto dele sobre o dela.
— Ainda estou me recuperando, suponho.
Gabbe deu um tapinha em sua mão.
— Quando ficamos sabendo sobre o que tinha acontecido, nós bajulamos a Randy para nos deixar vir visitar — ela disse, revirando seus olhos. — Não queríamos que você acordasse sozinha.
Houve uma batida na porta. Luce esperava ver os rostos ansiosos de seus pais, mas ninguém entrou. Gabbe ficou de pé e olhou para Ariane, que não fez menção alguma de se levantar.
— Fiquem aqui. Eu lidarei com isso.
Luce ainda estava sobrepujada pelo que tinham lhe contado sobre Justin. Mesmo não fazendo sentido algum, ela queria que fosse ele fora daquela porta.
— Como ela está? — uma voz perguntou em um sussurro. Mas Luce a ouviu. Era ele.
Gabbe murmurou algo de volta.
— Que congregação toda é essa? — Randy rosnou do lado de fora da sala.
Luce sabia, com o coração afundado, que isso significava que as horas de visita tinham acabado.
— Quem quer que tenha me convencido a deixar vocês, seus pestinhas, virem junto recebe detenção. E não, Bieber, não aceitarei flores como suborno. Todos vocês, entrem na minivan.
Ouvindo a voz da mulher, Ariane e Penn se encolheram, então correram para esconder os copos debaixo da cama. Penn enfiou os guarda-chuvas da bebida dentro de seu estojo e Ariane espirrou um forte perfume almíscar de baunilha no ar. Ela deu um pedaço de chiclete de hortelã para Luce.
Penn engasgou numa nuvem flutuante de perfume, então se inclinou rapidamente para Luce e sussurrou:
— Assim que estiver boa de nova, acharemos o livro. Acho que será bom para nós duas ficarmos ocupadas, tirar nossas mentes das coisas.
Luce apertou a mão de Penn em agradecimento e sorriu para Ariane, que parecia ocupada demais amarrando o cadarço de seus patins para ter ouvido.
Foi então que Randy empurrou com tudo a porta.
— Mais congregação! — ela gritou. — Inacreditável.
— Nós estávamos apenas... — Penn começou a dizer.
— Indo embora — Randy terminou por ela.
Ela tinha um buquê de peônias brancas selvagens em sua mão.
Estranho. Elas eram as favoritas de Luce. E era tão difícil achá-las florescendo por aqui. Randy abriu um armário debaixo da pia e fuçou por um minuto, então puxou um vaso pequeno e empoeirado. Ela o encheu com a água turva da torneira, colocou as peônias rudemente dentro, e as assentou na mesa ao lado de Luce.
— São dos seus amigos que irão todos se despedir agora.
A porta estava largamente aberta, e Luce conseguia ver Justin encostado contra a moldura. Seu queixo estava levantado e seus olhos cor de mel estavam nublados com preocupação. Ele encontrou o olhar de Luce e deu-lhe um pequeno sorriso. Quando ele tirou seus cabelos de perto de seus olhos, Luce conseguiu ver um pequeno corte vermelho escuro em sua testa.
Randy dirigiu Penn, Ariane e Gabbe porta afora. Mas Luce não conseguia tirar seus olhos de Justin. Ele ergueu uma mão no ar e balbuciou o que ela achava ser Sinto muito, logo antes de Randy empurrá-los para fora.
— Espero que eles não tenham te deixado exausta — Randy disse, espreitando na entrada com um franzir de testa antipático.
— Ah não!
Luce sacudiu sua cabeça, percebendo o quanto ela tinha aprendido a contar com a lealdade de Penn, e a maneira peculiar de Ariane animar até mesmo o humor mais sombrio. Gabbe, também, tinha sido realmente bondosa com ela. E Justin, embora ela mal o tenha visto, tinha feito mais para restaurar sua paz de espírito do que jamais saberia. Ele tinha vindo para checá-la. Ele estivera pensando nela.
— Bom — Randy disse. — Porque o horário da visita ainda não acabou.
Novamente, o coração de Luce acelerou enquanto ela esperava ver seus pais. Mas houve apenas um ligeiro ruído no chão de linóleo, e logo Luce viu a minúscula moldura da Senhorita Sophia.
Um xale de outono colorido estava sobre seus ombros magros, e seus lábios estavam pintados de um vermelho profundo para combinar. Atrás dela andava um homem baixo e careca de terno e dois policiais, um gordinho e um magro, ambos com linhas capilares retrocedendo e braços cruzados.
O policial gordinho era mais jovem. Ele sentou-se na cadeira ao lado de Luce, então – percebendo que ninguém mais tinha se mexido para sentar – levantou-se novamente recruzou os braços.
O careca deu um passo a frente e ofereceu sua mão à Luce.
— Sou o Mr. Schultz, advogado da Sword & Cross — Luce apertou sua mão duramente. — Esses policiais simplesmente vão te fazer algumas perguntas. Nada a ser usado em um tribunal, apenas um esforço para corroborar os detalhes do acidente...
— E eu insisti em estar aqui durante o questionamento, Lucinda — a Senhorita Sophia acrescentou, indo para a frente para acariciar o cabelo de Luce. — Como está, querida? — ela sussurrou. — Em estado amnéstico de choque?
— Estou bem...
Luce cortou quando avistou mais duas figuras na entrada. Ela quase caiu em prantos quando viu a cabeça escura e encaracolada de sua mãe e os grandes óculos de couraça de tartaruga de seu pai.
— Mãe — ela sussurrou, baixo demais para alguém mais ouvir. — Pai.
Eles se apressaram em direção à cama, jogando seus braços em volta dela e apertando suas mãos. Ela queria abraçá-los tanto, mas se sentia fraca demais para fazer muito mais do que ficar parada e absorver o conforto familiar do toque deles. Os olhos deles pareciam tão assustados quanto ela se sentia.
— Doçura, o que aconteceu? — sua mãe perguntou.
Ela não conseguia dizer uma palavra.
— Eu disse a eles que você é inocente — a Senhorita Sophia disse, virando-se para lembrar os policiais. — Ao diabo com semelhanças estranhas.
Claro que eles tinham o acidente de Trevor registrado, e é claro que os policiais iriam encontrá-lo... notavelmente devido à morte do Todd. Luce tinha prática o bastante com os policiais para saber que ela apenas iria deixá-los frustrados e irritados.
O policial magro tinha costeletas longas que estavam ficando grisalhas. O arquivo aberto dela na mão dele parecia exigir sua atenção total, porque nenhuma vez ele olhou para ela.
— Srta. Price — ele disse com um lento sotaque sulista. — Por que você e o Sr. Hammond estavam sozinhos na biblioteca numa hora tão tardia quando todos os outros estudantes estavam numa festa?
Luce olhou para seus pais. Sua mãe estava mordiscando seu batom. O rosto do seu pai estava tão branco quanto o lençol da cama.
— Eu não estava com o Todd — ela respondeu, não entendendo a linha de questionamento. — Eu estava com a Penn, minha amiga. E a Senhorita Sophia estava lá. Todd estava lendo sozinho e quando o incêndio começou, eu me perdi da Penn, e Todd foi o único que consegui achar.
— O único que conseguiu achar... para fazer o quê?
— Espera um minuto — o Sr. Schultz deu um passo para frente para interromper o policial. — Isso foi um acidente, devo lembrar-lhe. Você não está interrogando um suspeito.
— Não, eu quero responder — Luce disse.
Havia tantas pessoas nesse minúsculo quarto que ela não sabia para onde olhar. Ela olhou o policial.
— O que quer dizer?
— Você é uma pessoa nervosa, Srta. Price? — Ele agarrou a pasta. — Você se definiria como solitária?
— Já chega — seu pai interrompeu.
— Sim, Lucinda é uma estudante séria — a Senhorita Sophia acrescentou. — Ela não tinha nenhuma má vontade em relação a Todd Hammond. O que aconteceu foi um acidente, nada mais.
O policial olhou em direção a porta aberta, como se desejando que a Senhorita Sophia se deslocasse para fora dela.
— Sim, madame. Bem, com esses casos de reformatório, dar o benefício da dúvida nem sempre se é o mais responsável...
— Eu lhe contarei tudo o que sei — Luce disse, embolando seu lençol em seu punho. — Eu não tenho nada a esconder.
Ela os conduziu da melhor maneira que conseguiu, falando devagar e claramente para que não levantasse novas perguntas para seus pais, para que os policiais pudessem tomar nota. Ela não se deixou escorregar para a emoção, o que parecia ser exatamente o que todos estavam esperando.
E – deixando de fora a aparição das sombras – a história fazia bastante sentido. Eles tinham corrido para a porta traseira. Tinham encontrado a saída no final de um longo corredor. A escada desprendeu-se rapidamente, inclinando-se para longe da base, e ela e Todd ambos estiveram correndo com tanta força, não conseguiram se impedir de tombar escada abaixo. Ela o perdera de vista, batera sua cabeça forte o bastante para acordar aqui doze horas depois. Isso era tudo de que ela se lembrava.
Ela deixou a eles muito pouco que se discutir. Havia apenas a lembrança verdadeira da noite para que ela combatesse – por conta própria.
Quando acabou, o Sr. Schultz deu aos policiais uma inclinação de cabeça do tipo estão-satisfeitos?, e a Senhorita Sophia sorriu de alegria para Luce, como se juntas elas tivessem tido sucesso em algo impossível. A mãe de Luce soltou um longo suspiro.
— Iremos refletir sobre isso na delegacia — o policial magro disse, fechando o arquivo de Luce com tal resignação que parecia que ele queria ser agradecido por seus serviços.
Então os quatro saíram da sala e ela ficou sozinha com seus pais.
Ela lançou-lhes seu melhor olhar me-levem-para-casa. O lábio de sua mão tremeu, mas seu pai só engoliu em seco.
— Randy vai te levar de volta para a Sword & Cross essa tarde — ele disse. — Não pareça tão chocada, doçura. O médico disse que você estava bem.
— Mais do que bem — sua mãe acrescentou, mas ela parecia incerta.
Seu pai deu-lhe um tapinha no braço.
— Te vemos no sábado. Apenas mais alguns dias.
Sábado. Ela fechou seus olhos. Dia dos Pais. Ela estivera ansiando-o desde o momento que chegara na Sword & Cross, mas agora tudo estava tingido pela morte do Todd. Seus pais pareciam quase ansiosos para deixá-la. Eles tinham um jeito de não querer exatamente lidar com as realidades de ter uma filha em um reformatório. Eles eram tão normais. Ela não podia realmente culpá-los.
— Descanse um pouco agora, Luce — seu pai aconselhou, abaixando-se para beijá-la sua testa. — Você teve uma noite longa e difícil.
— Mas...
Ela estava exausta. Ela fechou seus olhos brevemente e quando os abriu, seus pais já estavam acenando da entrada.
Ela arrancou uma rechonchuda flor branca do vaso e a levou lentamente até seu rosto, admirando as folhas profundamente lobuladas e as pétalas frágeis, as gotas ainda úmidas de néctar dentro de seu centro. Ela respirou o odor suave e aromático da flor.
Tentou imaginar o modo como teriam parecido nas mãos de Justin. Tentou imaginar onde ele as tinha conseguido, e o que tinha estado em sua mente.
Fora uma escolha tão estranha de flor. Peônias selvagens não floresciam no pantanal da Geórgia. Elas nem aderiam ao solo no jardim do seu pai em Thunderbolt. E, ainda, essas não pareciam quaisquer peônias que Luce já tivesse visto. As flores eram tão grandes quanto palmas das mãos vertidas em conchas, e o cheiro a lembrava de algo que ela não conseguia exatamente identificar.
Sinto muito, Justin dissera. Só que Luce não conseguia entender exatamente pelo o quê.

Continua...