Choveu o dia todo na terça. Nuvens extremamente negras rolaram do oeste e agitaram-se sobre o campus, nada fazendo para ajudar a clarear a mente de Luce. O aguaceiro caía em ondas desiguais – garoando, então chovendo torrencialmente, então chovendo granizo – antes de diminuir para começar tudo de novo. Os alunos não foram permitidos a sair durante os intervalos, e ao final de sua aula de cálculo, Luce estava ficando louca por causa do aprisionamento. Ela percebeu isso quando suas anotações começaram a se desviar do teorema de valor médio e começaram a ficar desse jeito:
15 de setembro: dedo do meio introdutório de JB
16 de setembro: estátua derrubada, mão na cabeça para me proteger (alternativa: simplesmente tateando uma saída); a saída imediata de JB
17 de setembro: potencial leitura errada do aceno de cabeça de JB como uma sugestão de que eu fosse à festa do Cam. Perturbadora descoberta do relacionamento de JB & G (erro?)
Soletrado desse jeito, era o começo de um catálogo muito embaraçoso. Ele tinha simplesmente tantos altos e baixos. Era possível que ele se sentisse da mesma maneira que ela – embora, se pressionada, Luce insistiria que qualquer estranheza da sua parte era apenas uma resposta à estranheza suprema da parte dele.
Não. Esse era precisamente o tipo de argumento circular no qual ela não queria se engajar. Luce não queria jogar nenhum jogo. Ela só queria ficar com ele. Só que não tinha ideia do por que. Ou como agir sobre isso. Ou, na verdade, o que ficar com ele realmente significava. Tudo que ela sabia era que, apesar de tudo, era nele quem ela pensava. Aquele com quem ela se preocupava.
Ela pensara que se pudesse rastrear cada vez que eles tinham se conectado e cada vez que ele tinha se afastado, podia ser capaz de encontrar alguma razão por trás do comportamento errático de Justin. Mas sua lista até agora estava apenas deprimindo-a. Ela amassou a página numa bola.
Quando o sino soou finalmente para liberá-los pelo dia, Luce saiu apressada da sala de aula. Normalmente ela esperava para andar com Ariane ou Penn, temendo os momentos em que seus caminhos se separavam, porque então Luce ficaria sozinha com seus pensamentos. Mas hoje, para variar, ela não teve vontade de ver ninguém. Ela estava ansiando um tempo para Luce. Tinha apenas uma ideia certeira sobre como desviar sua mente de Justin: uma nadada longa, difícil e solitária.
Enquanto os outros alunos começaram a caminhar de volta na direção de seus dormitórios, Luce puxou o capuz do seu suéter preto e lançou-se na chuva, ansiosa para chegar à piscina. Enquanto descia os degraus de Agustine, se deparou diretamente com algo alto e negro. Cam.
Quando trombou com ele, uma torre de livros balançou em seus braços, então caiu na calçada molhada em uma série de batidas. Ele estava com o seu próprio capuz preto puxado sobre sua cabeça e seus fones de ouvido berrando em seus ouvidos. Provavelmente não a tinha visto chegando, tampouco. Ambos tinham estado em seus próprios mundos.
— Você está bem? — ele perguntou, colocando uma mão nas costas dela.
— Estou bem.
Ela mal tinha tropeçado. Foram os livros de Cam tombaram.
— Bem, agora que nós derrubamos os livros um do outro, o próximo passo não são que nossas mãos se toquem acidentalmente enquanto os pegamos?
Luce riu. Quando ela lhe entregou um dos livros, ele segurou sua mão e apertou-a. A chuva tinha encharcado seu cabelo escuro, e grandes gotas reuniam-se em seus cílios longos e espessos. Ele parecia muito bem.
— Como se diz “constrangido” em francês? — ele perguntou.
— Hm... gênée — Luce começou a dizer, sentindo-se ela própria um pouco gênée de repente. Cam ainda estava segurando sua mão. — Espere, não foi você quem tirou um 10 no teste de Francês ontem?
— Você notou? — ele perguntou. Sua voz soou estranha.
— Cam, está tudo bem?
Ele se inclinou na direção dela e retirou uma gota d’água que ela sentira escorrer pela ponte de seu nariz. O simples toque de seu dedo indicador a fez estremecer, e de repente ela não podia deixar de pensar quão maravilhoso e acolhedor podia ser se ele dobrasse-a em seus braços da forma como tinha feito no memorial de Todd.
— Eu estive pensando em você — ele disse. — Querendo te ver. Eu esperei por você no memorial, mas alguém me disse que tinha ido embora.
Luce teve o pressentimento de que ele sabia com quem ela saíra. E que ele queria que ela soubesse que ele sabia.
— Sinto muito — ela disse, tendo que gritar para ser ouvida sobre um ruído de trovão.
Agora ambos estavam encharcados pelo aguaceiro jorrando.
— Venha, vamos sair dessa chuva — Cam puxou suas costas na direção da entrada coberta de Agustine.
Luce olhou sobre o ombro dele na direção do ginásio e quis estar lá, não aqui ou em qualquer outro lugar com Cam. Pelo menos, não agora. Sua cabeça estava cheia até a borda de tantos impulsos confusos, e ela precisava de tempo e espaço longe – de todos – para discerni-los.
— Eu não posso — ela respondeu.
— Que tal mais tarde? Que tal hoje à noite?
— Claro, mais tarde, tudo bem.
Ele ficou radiante.
— Passarei no seu quarto.
Ele a surpreendeu ao puxá-la para si, apenas pelo mais breve dos momentos, e a beijando suavemente na testa. Luce se sentiu instantaneamente aliviada, quase como se tivesse ganho uma dose de alguma coisa. E antes que ela tivesse a chance de sentir algo mais, ele a soltou e estava andando rapidamente de volta na direção do dormitório.
Luce balançou sua cabeça e chapinhou lentamente em direção ao ginásio. Evidentemente ela tinha que resolver mais do que apenas Justin.
Havia uma possibilidade de que poderia ser bom, até divertido, passar algum tempo com Cam, mais tarde essa noite. Se a chuva passasse, ele provavelmente a levaria para uma parte secreta do campus e seria totalmente carismático e lindo naquela maneira intimidantemente tranquila dele. Ele a faria se sentir especial. Luce sorriu.
Desde a última vez em que ela tinha posto os pés na Nossa Senhora da Ginástica (como Ariane tinha batizado o ginásio), o pessoal de manutenção da escola começou a lutar contra o kudzu. Eles haviam retirado a cortina verde da maior parte da fachada do prédio, mas tinham acabado apenas a metade, e vinhas verdes balançavam como tentáculos pelas portas. Luce teve que se abaixar sob alguns rebentos compridos apenas para que pudesse entrar.
O ginásio estava vazio, e silencioso a ponto de se ouvir uma agulha cair, em comparação com a tempestade lá fora.
A maior parte das luzes estava desligada. Ela não tinha perguntado se tinha permissão para usar o ginásio fora do horário, mas a porta estava destrancada, e, bem, ninguém está lá para impedi-la.
No corredor turvo, ela passou pelos antigos manuscritos em latim nas caixas de vidro, e pela reprodução em miniatura de mármore de Pietá. Ela parou na frente da porta da sala de musculação, onde tinha se deparado com Justin pulando corda. Suspiro. Isso seria uma grande adição ao seu catálogo:
18 de setembro: JB me acusa de persegui-lo.
Seguido dois dias mais tarde por:
20 de setembro: Penn me convence de realmente começar a persegui-lo. Eu consinto.
Argh. Ela estava em um buraco negro de autodepreciação. E ainda assim não conseguia parar a si mesma. No meio do corredor, ela congelou. De uma só vez ela compreendeu porque este dia todo ela se sentira ainda mais consumida por Justin do que o habitual, e também ainda mais confusa quanto ao Cam. Ela sonhara com ambos na noite passada.
Ela estivera andando através de um nevoeiro cinzento, alguém segurando sua mão. Ela se virara, pensando que seria Justin. Mas embora os lábios de quem ela estivera pressionando fossem reconfortantes e carinhosos, não eram dele. Eles eram de Cam. Ele deu-lhe inúmeros beijos suaves, e cada vez que Luce o espiava, seus tempestuosos olhos verdes estavam abertos, também, penetrando-a, interrogando-a sobre algo que ela não podia responder.
Então Cam se fora, e o nevoeiro se fora, e Luce estava enrolada apertadamente nos braços de Justin, exatamente onde queria estar. Ele a apertou e a beijou ferozmente, como se estivesse com raiva, e cada vez que seus lábios deixavam os dela, mesmo que por apenas meio segundo, a sede mais seca a percorria, fazendo-a gritar. Desta vez, ela sabia que eram asas, e ela as deixou se enrolarem ao redor de seu corpo como um cobertor. Ela queria tocá-las, dobrá-las ao redor de si mesma e de Justin completamente, mas logo o roçar de veludo estava recuando, dobrando-se sobre si mesmo. Ele parou de beijá-la, observou seu rosto, esperou por uma reação. Ela não entendeu o estranho medo quente crescendo na boca do seu estômago. Mas lá estava, deixando-a desconfortavelmente quente, então quente até fazer bolhas – até que ela não pudesse mais aguentar. Foi quando ela acordou de repente: No último momento do sonho, a própria Luce tinha queimado e se despedaçado – então tinha sido destruída até virar cinzas.
Ela acordara encharcada de suor – seu cabelo, seu travesseiro, seu pijama todos molhados e de repente a fazendo se sentir com muito, muito frio. Ela ficara deitada lá tremendo e sozinha até a primeira luz da manhã.
Luce esfregou suas mangas encharcadas de chuva para se aquecer. É claro. O sonho tinha deixado-a com um fogo no seu coração e um frio nos seus ossos que ela tinha sido incapaz de conciliar o dia todo. E era por isso que ela viera aqui para nadar, para tentar tirar isso de seu sistema.
Dessa vez, seu maiô preto realmente servia, e ela se lembrara de trazer um par de óculos de natação. Ela empurrou a porta para a piscina e ficou sob a plataforma alta de mergulho sozinha, respirando o ar úmido com seu odor maçante de cloro. Sem a distração dos outros alunos, ou o estímulo do apito da Treinadora Diante, Luce conseguia sentir a presença de outra coisa na Igreja. Algo quase sagrado.
Talvez fosse simplesmente que a piscina fosse um lugar tão lindo, mesmo com a chuva caindo pelas janelas rachadas de vitrais. Mesmo com nenhuma das velas acesas nos altares laterais vermelhos.
Luce tentou imaginar como o lugar era antes da piscina ter substituído os bancos, e sorriu. Gostava da ideia de nadar sob todas aquelas cabeças orando.
Ela baixou os óculos e pulou para dentro.
A água estava quente, muito mais quente que a chuva lá fora, e o estrondo do trovão lá fora parecia inofensivo e longe enquanto ela abaixava sua cabeça debaixo d'água.
Ela se impulsionou e começou um nado lento de aquecimento. Seu corpo rapidamente relaxou, e algumas voltas mais tarde, Luce aumentou sua velocidade e começou o borboleta. Ela conseguia sentir a queimação em seus membros, e se forçou.
Era exatamente dessa sensação que ela estava atrás. Totalmente à vontade.
Se ela pudesse apenas falar com Justin. Realmente falar, sem ele lhe interromper ou lhe dizer para transferir de escola ou escapar antes que ela pudesse chegar ao ponto. Isso podia ajudar. Também poderia exigir que ele fosse amarrado e sua boca fechada simplesmente para que ele a ouvisse.
Mas o que ela diria? Tudo o que ela era essa sensação que tinha perto dele, que, se ela pensasse nisso, não tinha nada a ver com suas interações. E se ela pudesse levá-lo de volta para o lago? Fora ele quem tinha deixado implícito que aquele se tornara o lugar deles. Dessa vez, ela poderia levá-lo até lá, e ela seria supercuidadosa para não trazer à tona algo que pareceria assustá-lo – não estava funcionando.
Droga. Ela estava fazendo isso de novo. Ela deveria estar nadando. Só nadando. Ela nadaria até que estivesse cansada demais para pensar em qualquer outra coisa, especialmente Justin.
Ela nadaria até...
— Luce!
Até que fosse interrompida. Por Penn, que estava de pé ao lado da piscina.
— O que você está fazendo aqui? — Luce perguntou, cuspindo água.
— O que você está fazendo aqui? — Penn disparou de volta. — Desde quando você faz exercícios de boa vontade? Eu não gosto deste seu novo lado.
— Como você me encontrou? — Luce não percebeu até que tivesse dito que suas palavras podiam ter soado rudes, como se ela estivesse tentando evitar Penn.
— Cam me disse. Tivemos uma conversa inteira. Foi estranho. Ele queria saber se você estava bem.
— Isso é estranho — Luce concordou.
— Não, o que foi estranho foi que ele se aproximou de mim e tivemos uma conversa inteira. O Sr. Popularidade... e eu. Preciso soletrar ainda mais a minha surpresa? O negócio é que, ele foi realmente muito bonzinho.
— Bem, ele é bonzinho — Luce tirou os óculos de sua cabeça.
— Com você. Ele é tão bonzinho com você que ele escapuliu da escola para lhe comprar aquele colar – que você nunca usa.
— Eu usei uma vez — Luce respondeu.
O que era verdade. Há cinco noites, depois da segunda vez que Justin a deixou encalhada no lago, sozinha com ou caminho dele iluminado na floresta. Ela não fora capaz de se desvencilhar da imagem e não fora capaz de dormir. Então ela experimentara o colar. Adormecera segurando-o perto de sua clavícula, e acordara com ele quente na sua mão.
Penn estava acenando três dedos para Luce, como se dissesse: Oi? E qual a razão disso...?
— A razão disso é — Luce disse finalmente — eu não sou tão superficial que tudo pelo que estou procurando é um cara que me compra coisas.
— Não é tão superficial, hein? — Penn perguntou. — Então eu te desafio a fazer uma lista não-superficial do por que você está tão afim do Justin. O que significa nada de Ele tem os olhinhos cor de mel mais adoráveis ou Ooh, a maneira como seus músculos ondulam na luz do sol.
Luce teve que rir do falsete agudo de Penn e da maneira como ela segurava suas mãos cruzadas sobre o peito.
— Ele simplesmente me entende — ela disse, evitando os olhos de Penn. — Eu não consigo explicar isso.
— Ele entende que você merece ser ignorada? — Penn sacudiu a cabeça.
Luce nunca tinha dito a Penn sobre os momentos que ela passara sozinha com Justin, os momentos em que vira um relampejo de que ele se preocupava com ela, também. Então Penn não conseguia entender realmente seus sentimentos. E eles eram muito particulares e muito complicados para se explicar.
Penn se agachou na frente de Luce.
— Olha, a razão pela qual eu vim te procurar, em primeiro lugar, foi para arrastá-la para a biblioteca para uma missão relacionada ao Justin.
— Encontrou o livro?
— Não exatamente — ela respondeu, estendendo uma mão para ajudar Luce a sair da piscina. — A obra-prima do Sr. Bieber ainda está misteriosamente desaparecida, mas eu meio que tipo hackeei o mecanismo de busca literário somente para assinantes da Senhorita Sophia, e algumas coisas apareceram. Eu achei que você poderia achá-las interessantes.
— Obrigada — Luce agradeceu, içando-se para fora com a ajuda de Penn. — Eu vou tentar não ser irritantemente sentimental sobre o Justin.
— Que seja. Apenas se apresse e se seque. Nós temos um breve período sem chuva ali fora e eu não tenho um guarda-chuva.
Quase toda seca e de volta em seu uniforme escolar, Luce seguiu Penn até a biblioteca. Parte da porção da frente havia sido bloqueada por fitas amarelas da polícia, então as meninas tiveram que escapulir pelo espaço estreito entre o catálogo de cartas e a seção de referência. Ainda cheirava a fogueira, e agora, graças aos irrigadores e à chuva, possuía um cheiro acrescentado de mofo.
Luce deu sua primeira olhada para onde estivera a mesa da Senhorita Sophia, agora um círculo carbonizado quase perfeito sobre o velho chão de azulejo no centro da biblioteca. Tudo em um raio de quatro metros e meio tinha sido removido. O resto estava estranhamente intacto.
A bibliotecária não estava em seu posto, mas uma mesa dobrável havia sido posta para ela ao lado do local queimado. A mesa estava deprimentemente vazia, exceto por um abajur novo, um porta-lápis e um bloco de papel.
Luce e Penn lançaram uma a outra uma careta de que droga antes de continuarem para a estação de computadores nos fundos. Quando elas passaram a seção de estudo onde tinham visto Todd pela última vez, Luce olhou para sua amiga. Penn manteve seu rosto para frente, mas quando Luce estendeu a mão e apertou a mão dela, Penn apertou de volta muito firme.
Elas puxaram duas cadeiras até um terminal de computador, e Penn digitou seu nome de usuário. Luce olhou ao redor só para ter certeza que ninguém mais estava por perto. Uma caixa vermelha de erro apareceu na tela.
Penn gemeu.
— O quê? — Luce perguntou.
— Depois das quatro, você precisa de permissão especial para acessar a net.
— É por isso que este lugar é sempre tão vazio à noite.
Penn estava revirando sua mochila.
— Onde eu coloquei aquela senha criptografada? — ela murmurou.
— Ali está a Senhorita Sophia — Luce disse, sinalizando para a bibliotecária, que estava atravessando o corredor com uma blusa preta justa e calça pescador verde clara. Seus brincos brilhantes roçavam os ombros, e ela tinha um lápis enfiado na lateral de seu cabelo.
— Aqui — Luce sussurrou em voz alta.
A Senhorita Sophia espremeu os olhos para elas. Seus óculos bifocais tinham deslizado nariz abaixo, e com uma pilha de livros em cada braço, ela não tinha uma mão livre para empurrá-los para cima.
— Quem é? — ela chamou, andando até lá. — Oh, Lucinda. Pennyweather — ela disse, parecendo cansada. — Olá.
— Nós estávamos pensando se você poderia nos dar a senha para usar o computador — Luce comentou, apontando para a mensagem de erro na tela.
— Você não vai usar redes sociais, não é? Esses sites são obra do diabo.
— Não, não, esta é uma investigação séria — disse Penn. — Você aprovaria.
A Senhorita Sophia se inclinou sobre as meninas para desbloquear o computador. Dedos voando, ela digitou a senha mais longa que Luce já tinha visto.
— Vocês têm vinte minutos — falou sem rodeios, indo embora.
— Isso deve ser suficiente — Penn sussurrou. — Eu encontrei um ensaio crítico sobre Os Observadores, então até que rastreemos o livro, podemos pelo menos ler sobre o que se trata.
Luce percebeu alguém parado atrás dela e se virou para ver que a Senhorita Sophia tinha retornado. Luce pulou.
— Desculpe — ela disse. — Eu não sei por que você me assustou.
— Não, sou eu quem deve pedir desculpas — a Senhorita Sophia disse. Seu sorriso praticamente fazia seus olhos desaparecerem. — É só que tem sido tão difícil ultimamente, desde o incêndio. Mas não há nenhuma razão para descarregar a minha tristeza em duas das minhas alunas mais promissoras.
Nem Luce nem Penn sabiam exatamente o que dizer. Era uma coisa confortar uma a outra após o incêndio. Tranquilizar a bibliotecária da escola parecia um pouco demais para elas.
— Eu tenho tentado me manter ocupada, mas... — a Senhorita Sophia dissipou-se.
Penn olhou nervosamente para Luce.
— Bem, poderíamos precisar de alguma ajuda com a nossa pesquisa, se, quer dizer, você...
— Posso ajudar! — Senhorita Sophia puxou uma terceira cadeira. — Vejo que estão pesquisando Os Observadores — disse ela, lendo sobre seus ombros. — Os Bieber's foram um clã muito influente. E acontece que eu conheço um banco de dados papal. Deixe-me ver o que eu consigo achar.
Luce quase engasgou no lápis que ela estava mastigando.
— Desculpa, você disse Bieber's?
— Ah sim, historiadores os traçaram até a Idade Média. Eles eram... — Ela fez uma pausa, procurando pelas palavras. — Uma espécie de grupo de pesquisadores, para colocar em termos leigos modernos. Eles se especializaram em um determinado tipo de folclore de anjo caído.
Ela estendeu a mão entre as meninas novamente e Luce maravilhou-se enquanto seus dedos corriam pelo teclado. O mecanismo de busca apanhou para acompanhar, puxando artigo após artigo, fonte primária depois de fonte primária, todos sobre os Bieber's. O nome da família de Justin estava em toda parte, enchendo a tela. Luce sentiu-se um pouco tonta.
A imagem de seu sonho voltou para ela: asas desenrolando-se, seu corpo aquecendo até que ela ardesse em cinzas.
— Há diferentes tipos de anjos em que se especializar? — Penn perguntou.
— Ah, claro – é um vasto campo da literatura — a Senhorita Sophia disse enquanto digitava. — Há aqueles que se tornam demônios. E aqueles que exaltam Deus. E há ainda aqueles que se davam com mulheres mortais. — Por fim seus dedos pararam. — Hábito muito perigoso.
Penn indagou:
— Esses caras, Observadores, tem alguma relação com o Justin Bieber daqui?
A Senhorita Sophia tocou seus lábios cor de malva.
— Bem possível. Eu mesma me perguntei isso, mas não é nada da nossa conta ficar se metendo nos assuntos dos alunos, não concordam?
Seu rosto pálido apertou-se em uma carranca enquanto ela olhava para o relógio.
— Bem, eu espero ter lhes dado o suficiente para começarem seu projeto. Eu não vou mais monopolizar o seu tempo — ela apontou para um relógio na tela do computador. — Vocês só têm nove minutos restantes.
Enquanto ela voltou para a frente da biblioteca, Luce observou a postura perfeita da Senhorita Sophia. Ela poderia ter equilibrado um livro em sua cabeça. Parecia mesmo que tinha animado-a um pouco ajudar as meninas com sua pesquisa, mas ao mesmo tempo, Luce não tinha ideia do que fazer com a informação que lhe acabara de ser dada sobre Justin.
Penn tinha. Ela já começara a rabiscar notas furiosas.
— Oito minutos e meio — informou à Luce, entregando-lhe uma caneta e um pedaço de papel. — Tem coisas demais aqui para entender em oito minutos e meio. Comece a escrever.
Luce suspirou e fez o que lhe foi dito. Era uma página acadêmica maçante da web, desenhada com uma borda fina azul enquadrando um fundo liso bege. No alto, em um cabeçalho com uma fonte rigorosamente negrita se lia: O CLÃ BIEBER.
Apenas lendo o nome, Luce sentiu sua pele aquecer.
Penn bateu no monitor com sua caneta, voltando a atenção de Luce para sua tarefa.
Os Bieber's não dormem. Parecia possível; Justin sempre parecia cansado. Eles são geralmente quietos. Certo. Às vezes falar com ele era como extrair os dentes. Em um decreto do século VIII...
A tela ficou preta. O tempo delas acabara.
— Quanto você conseguiu? — Penn perguntou.
Luce ergueu sua folha de papel. Patético. O que ela tinha era algo que ela nem sequer se lembrava de ter rabiscado: as bordas das penas de asas.
Penn deu-lhe um olhar lateral.
— Sim, posso ver que você será uma excelente assistente de pesquisa — disse ela, mas ela estava rindo. — Talvez mais tarde nós poderíamos teorizar um jogo de MASH — ela ergueu as próprias anotações muito mais abundantes. — Tudo bem, eu tenho o suficiente para nos levar a algumas outras fontes.
Luce enfiou o papel no seu bolso ao lado da lista mestre amassada que ela começara sobre todas as suas interações com Justin. Ela estava começando a transformar-se no seu pai, que não gostava de estar em qualquer lugar muito longe do seu triturador de papel. Ela se abaixou para procurar uma lixeira e avistou um par de pernas andando pelo corredor em direção a elas.
A marcha era tão familiar quanto a dela própria. Ela sentou-se de volta – ou tentou sentar-se de volta – e bateu sua cabeça na parte inferior da mesa do computador.
— Ai — ela gemeu, esfregando o local onde batera sua cabeça no incêndio da biblioteca.
Justin estava parado a poucos metros de distância. Sua expressão dizia que a última coisa no mundo que ele queria agora era topar com ela. Pelo menos ele apareceu depois que o computador tinha feito logoff. Ele não precisa pensar que ela estava perseguindo-o ainda mais ativamente do que ele já pensava.
Mas Justin parecia estar olhando através dela; seus olhos cor de mel estavam fixados em cima do seu ombro, em algo – ou alguém.
Penn bateu no ombro de Luce, então girou seu polegar na direção da pessoa de pé atrás dela. Cam estava inclinando-se sobre a cadeira de Luce e sorrindo para ela. Um raio lá fora fez com que Luce praticamente pulasse nos braços de Penn.
— Só uma tempestade — disse Cam, inclinando sua cabeça. — Vai dissipar-se em breve. Uma pena, porque você fica uma gracinha quando está com medo.
Cam avançou a mão. Ele começou em seu ombro, então traçou a ponta de seu braço com seus dedos até sua mão. Os olhos dela vibraram, era tão bom, e quando ela os abriu, havia uma pequena caixa de veludo rubi na sua mão. Cam a abriu, só por um segundo, e Luce viu um relampejo de ouro.
— Abra-a mais tarde. Quando você estiver sozinha.
— Cam...
— Eu passei no seu quarto.
— Podemos... — Luce olhou para Penn, que estava descaradamente olhando para eles com um encanto de espectador de filme na primeira fila.
Finalmente saindo de seu transe, Penn agitou suas mãos.
— Você quer que eu vá. Entendo.
— Não, fique — Cam falou, soando mais doce do que Luce esperava. Ele se virou para Luce. — Eu vou. Mas mais tarde – você promete?
— Claro.
Ela sentiu-se corar.
Cam pegou sua mão e empurrou-a e a caixa para dentro do bolso frontal esquerdo de sua calça jeans. Ficou apertada, e a fez estremecer sentir os dedos dele espalharem-se em seus quadris.
Então ele piscou e virou as costas.
Antes que ela tivesse a chance de recuperar o fôlego, ele voltou.
— Uma última coisa — falou, deslizando seu braço para trás da cabeça dela e se aproximando.
A cabeça dela inclinou-se para trás e a dele para frente, e a boca dele estava sobre a dela. Seus lábios eram tão macios quanto pareceram todas as vezes que Luce os encarou. Não foi profundo, só um selinho, mas Luce sentiu como se fosse muito mais. Ela não conseguia respirar por causa do choque e da emoção e da potencial exibição pública desse muito longo, muito inesperado.
— Que diabos...
A cabeça de Cam tinha girado, e então ele estava encurvado, segurando seu queixo. Justin estava de pé atrás dele, esfregando o pulso.
— Mantenha suas mãos longe dela.
— Não te ouvi — disse Cam, levantando-se lentamente.
Ai. Meu. Deus. Eles estavam lutando. Na biblioteca. Por ela.
Então, em um movimento limpo, Cam disparou-se para Luce. Ela gritou enquanto os braços dele começaram a fechar em torno dela. Mas as mãos de Justin foram mais rápidas. Ele golpeou duramente Cam para longe, e empurrou-o contra a mesa do computador. Cam grunhiu enquanto Justin pegava um punhado de seu cabelo e prensava sua cabeça para baixo.
— Eu disse parar manter suas mãos imundas longe dela, seu merdinha maligno.
Penn gritou, pegou seu estojo, e foi na ponta dos pés até a parede. Luce observou enquanto ela jogava seu estojo amarelo sujo uma vez, duas vezes, três vezes no ar. Na quarta vez, ele foi alto o suficiente para acertar a pequena câmera preta parafusada na parede. O golpe desviou a lente da câmera para a esquerda, em direção a uma pilha muito parada de livros de não-ficção.
Nessa hora, Cam tinha jogado Justin para fora e eles estavam circundando um ao outro, seus pés rangendo no chão polido.
Justin começou a esquivar-se antes que Luce sequer percebesse que Cam estava pegando impulso. Mas Justin não esquivou-se com rapidez suficiente. Cam acertou o que pareceu ser um soco de nocaute logo abaixo do olho de Justin. Justin rodou para trás devido à força disso, empurrando Luce e Penn contra a mesa do computador. Ele se virou e murmurou um pedido de desculpas confuso antes de retornar.
— Ai meu Deus, parem! — Luce gritou, pouco antes de ele pular na cabeça do Cam.
Justin parou Cam, lançando uma onda bagunçada de golpes nos seus ombros e nas laterais de seu rosto.
— Isso é gostoso — Cam resmungou, estalando o pescoço de um lado para outro como um boxeador.
Ainda persistindo, Justin deslocou suas mãos ao redor do pescoço de Cam. E espremeu. Cam respondeu ao lançar Justin de volta contra uma estante alta de livros. O impacto explodiu pela biblioteca, mais alto do que o trovão do lado de fora.
Justin resmungou e soltou. Ele caiu no chão com um baque.
— O que mais você tem, Bieber?
Luce cambaleou, pensando que ele podia não se levantar. Mas Justin se levantou rapidamente.
— Eu vou mostrar para você — ele sibilou. — Lá fora. — Ele foi até Luce, então afastou-se. — Você fica aqui.
Então ambos os garotos saíram da biblioteca, através da saída traseira que Luce usara na noite do incêndio. Ela e Penn ficaram congeladas em seus lugares. Elas encararam uma a outra, as bocas abertas.
— Vamos — disse Penn, arrastando Luce para uma janela que dava para a área comum.
Elas apertaram seus rostos no vidro, apagando a bruma de suas respirações.
A chuva estava caindo pesadamente. O campo lá fora estava escuro, exceto pela luz que entrava pelas janelas da biblioteca. Estava tão enlameado e escorregadio, era difícil ver alguma coisa. Então duas figuras saíram do centro da área comum. Ambos ficaram ensopados instantaneamente. Eles discutiram por um momento, depois começaram a circular um ao outro. Seus punhos foram erguidos novamente.
Luce segurou o parapeito da janela e observou enquanto Cam fez o primeiro movimento, correndo até Justin e batendo nele com o ombro. Então um rápido chute giratório em suas costelas.
Justin tombou, agarrando seus lados. Levante-se. Luce motivou-lhe a se mover. Ela sentia como se ela própria tivesse sido chutada. Cada vez que Cam ia para cima de Justin, ela sentia em seus ossos.
Ela não aguentava assistir.
— Justin tropeçou por um segundo ali — Penn anunciou após Luce ter se virado. — Mas ele disparou diretamente e totalmente marcou o Cam no rosto. Boa!
— Você está gostando disso? — Luce perguntou, horrorizada.
— Meu pai e eu costumávamos assistir UFC. Parece que esses dois caras tiveram alguma formação séria em artes marciais misturadas. Perfeito cruzamento, Justin!
Ela gemeu.
— Ai, cara.
— O quê? — Luce espiou novamente. — Ele está ferido?
— Relaxe. Alguém está vindo para acabar com a luta. Bem quando Justin estava se recuperando.
Penn estava certa. Parecia que o Sr. Cole estava correndo pelo campus. Quando chegou ao local onde os garotos estavam brigando, ele parou e assistiu-os por um momento, quase hipnotizado pela maneira como eles estavam lutando.
— Faça alguma coisa — Luce sussurrou, sentindo-se enojada.
Finalmente, o Sr. Cole agarrou cada garoto pela nuca. Os três lutaram por um momento até que Justin finalmente se desvencilhou. Ele balançou sua mão direita, então marchou em um círculo e cuspiu algumas vezes na lama.
— Muito atraente, Justin— Luce disse sarcasticamente. Exceto que era.
Agora para uma conversa com o Sr. Cole. Ele acenou suas mãos loucamente para eles e eles ficaram parados com as cabeças pendendo. Cam foi o primeiro a ser dispensado. Ele correu pelo campo na direção do dormitório e desapareceu.
O Sr. Cole colocou uma mão no ombro de Justin. Luce estava morrendo de vontade de saber o que eles estavam falando, se Justin seria punido. Ela queria ir até ele, mas Penn a bloqueou.
— Tudo isso por causa de uma joia. O que Cam lhe deu, afinal?
O Sr. Cole saiu e Justin ficou sozinho, de pé à luz de um poste de luz acima, olhando para a chuva.
— Eu não sei — Luce respondeu a Penn, deixando a janela. — Seja o que for, eu não quero. Especialmente depois disso.
Ela voltou para a mesa do computador e tirou a caixa de seu bolso.
— Se você não vai olhar, eu vou.
Ela abriu a caixa, então olhou para Luce, confusa.
O relampejo de ouro que elas tinham visto não tinha sido de joia. Havia apenas duas coisas dentro da caixa: outra palheta verde de Cam e um pedaço dourado de papel.
Encontre-me amanhã depois da aula. Eu estarei esperando nos portões.
-C
Continua...
Nenhum comentário:
Postar um comentário