sábado, 14 de junho de 2014

Fallen: Capítulo 13 "Raízes"


Luce podia ouvir seu All Star batendo forte contra o chão. Podia sentir o vento úmido contra sua camiseta preta. Podia praticamente experimentar o piche quente de uma parte recém pavimentada do estacionamento. Mas quando ela lançou seus braços ao redor de duas criaturas curvadas perto da entrada de Sword & Cross em um Sábado pela manhã, tudo isso foi esquecido.
Ela nunca esteve tão feliz de abraçar seus pais em toda sua vida.
Por dias, ela ficou se lamentando de quão distante e fria as coisas tinham sido no hospital, e não iria cometer o mesmo erro de novo.
Os dois tropeçaram enquanto ela os abraçava. Sua mãe começou a rir e seu pai lhe deu palmadinhas nas costas à sua maneira de cara-durão. Ele tinha sua enorme câmera ao redor do pescoço. Eles se endireitaram e mantiveram sua filha com ao longo de seus braços. Parecia querer uma boa olhada de seu rosto, mas tão logo como a conseguiram, suas próprias feições desvaneceram. Luce estava chorando.
— Querida, qual é o problema? — seu pai perguntou, descansando a mão em sua cabeça.
Sua mãe procurou em sua gigante bolsa azul uma caixa de lenços. Com os olhos amplamente abertos, ela balançou um lenço em frente ao nariz de Luce e perguntou:
— Nós estamos aqui agora. Está tudo bem, não é?
Não, não estava tudo bem.
— Por que vocês não me levaram pra casa no outro dia? — Luce perguntou, sentindo-se magoada e com raiva mais uma vez. — Por que vocês os deixaram me trazer pra cá de novo?
Seu pai empalideceu.
— Todas as vezes que nós falamos com o diretor, ele disse que você estava indo muito bem, de volta às aulas, como a boa garota que criamos. Uma dor de garganta pela fumaça e um pequeno galo na cabeça. Pensávamos que isso era tudo.
Ele lambeu seus lábios.
— Existe algo mais? — Sua mãe perguntou.
Uma olhada entre seus pais lhe disse que eles já tiveram esse briga. Mamãe lhe tinha suplicado que a deixassem visitá-la de novo em breve. O pai rígido-amoroso de Luce havia batido o pé.
Não havia modo de explicar a eles o que tinha acontecido naquela noite ou o que ela vem passando desde então, ela tinha ido direto para às aulas, embora não por sua própria escolha. E, fisicamente, ela estava bem. Só que em todas as outras maneiras – emocional, psicológica e romântica – ela não podia se sentir mais ferida.
— Nós só estamos tentando seguir as regras — o pai de Luce explicou, movendo sua grande mão para apertar o pescoço dela.
O peso dele mudou sua postura e isso a obrigou a parar quieta, mas tinha passado muito tempo desde que ela esteve assim perto das pessoas que amava, então ela não atreveu a se afastar.
— Porque nós só queremos o que é melhor pra você — seu pai acrescentou. — Nós temos que ter fé nestas pessoas — ele sinalizou ao formidável edifício ao redor do campus, como se representasse Randy e o diretor Udell e ao resto deles. — Eles sabem do que estão falando.
— Eles não sabem — Luce discordou, olhando os edifícios de má qualidade e o pátio vazio.
Até agora, nada nesta escola fazia algum sentido pra ela.
Caso em questão, o que eles chamavam de Dia dos Pais. Eles fizeram um grande caso de quão afortunados são os estudantes de ter o privilégio de ver sua própria carne e sangue. E no entanto, faltavam dez minutos para a hora do almoço e o carro dos pais de Luce era o único no estacionamento.
— Este lugar é uma absoluta piada — ela disse, soando o suficiente cínica para que seus pais compartilhassem um olhar de problema.
— Luce, querida — sua mãe disse, acariciando seu cabelo.
Luce podia dizer que ela não estava acostumada a seu curto comprimento. Seus dedos tinham um instinto maternal para seguir o fantasma do antigo cabelo de Luce por todo o caminho até às costas.
— Nós só queremos um dia agradável com você. Seu pai trouxe todas as suas comidas favoritas.
Timidamente, seu pai levantou uma colcha de retalhos coloridos e uma grande gerinconça do estilo maleta que Luce nunca tinha visto antes. Geralmente, quando eles faziam piquenique, era uma coisa muito mais casual, com sacos de papel de mercearia e uma velha folha rasgada jogada na grama pela trilha de canoa fora de sua casa.
— Quiabo em conserva? — Luce perguntou numa voz que soou bastante como a pequenina Lucy.
Ninguém podia dizer que seus pais não estavam tentando.
Seu pai assentiu.
— E chá doce e biscoitos com molho branco. Cereais com queijo com pimenta extra, justo como você gosta. Oh, e mais uma coisa.
A mãe de Luce colocou a mão na sua gorda bolsa à procura de um envelope vermelho e estendeu para Luce. Por um brevíssimo momento uma dor atormentou o estômago de Luce quando voltou a pensar nas correspondências que costumava receber. Assassina Psicótica. Garota Morte. Mas quando Luce viu a caligrafia no envelope, seu rosto se desfez em um sorriso enorme.
Callie.
Ela rasgou o envelope e tirou o cartão com uma fotografia na frente em branco-e-preto de duas velhas senhoras decorando seus cabelos. Dentro, cada centímetro quadrado do cartão estava preenchido com a letra grande e borbulhante de Callie. E ali havia vários pedaços de rabiscos no papel de folhas soltas porque ela ficou sem espaço no cartão.

Querida Luce,
Desde que nosso tempo no telefone é agora ridiculamente insuficiente (poderia por favor pedir um pouco mais de tempo? É francamente injusto), e vou ficar antiquada com você e fazer uma épica carta escrita a mão. Em anexo você irá encontrar cada minúscula coisa que aconteceu comigo nas últimas duas semanas. Quer goste ou não.

Luce segurou contra o peito, sem deixar de sorrir, ansiosa de devorar a carta tão logo seus pais voltassem pra casa. Callie não tinha desistido dela. E seus pais estavam bem ao seu lado. Tinha passado muito tempo desde que Luce se sentiu amada. Ela procurou e apertou a mão de seu pai.
Um apito estridente fez com que seus pais pulassem.
— É só a sinal do almoço — ela explicou; eles pareciam aliviados. — Vamos, têm alguém que quero que conheçam.
Enquanto caminhavam pelo quente, nebuloso estacionamento até a área aberta onde os eventos de abertura do Dia dos Pais estava sendo organizado, Luce começou a ver o campus através do olhos de seus pais. Ela notou a curvatura do telhado da sede principal, e o amadurecido odor do pêssego apodrecendo no bosque ao lado do ginásio. A forma como o ferro forjado do portão do cemitério foi sobreposto a ferrugem alaranjada. Ela percebeu que só em algumas semanas, ela estaria completamente acostumada as muitas coisas desagradáveis de Sword & Cross.
Seus pais se olhavam horrorizados. Seu pai fez um gesto a uma moribunda videira que serpenteava ao redor da cerca decrépita e fragmentada do pátio.
— Essas são as uvas chardoney — ele disse, fazendo uma careta, porque quando uma planta sentia dor, ele também sentia.
Sua mãe estava usando as duas mãos para agarrar seu livro de bolso contra o peito, com os cotovelos colados, postura que toma quando se encontra em um bairro que pensa que pode ser assaltada. E eles ainda não tinham visto os vermelhos.
Seus pais, que eram veementemente contra as pequenas coisas, como Luce tendo uma webcam, odiariam a ideia de vigilância constante em sua escola. Luce queria protegê-los de todas as atrocidades de Sword & Cross, porque ela estava descobrindo como controlar – e às vezes – até vencer o sistema aqui. Como no outro dia, Ariane a tinha levado através de uma série de obstáculos- tipo uma corrida através do campus para assinalar todos os “vermelhos mortos” cuja bateria tinham acabado ou sido astutamente “substituídas” efetivamente criando pontos cegos na escola. Seus pais não precisavam saber de tudo isso, eles só precisavam ter um bom dia com ela.
Penn estava balançando suas pernas na arquibancada, onde ela e Luce tinham prometido se encontrar ao meio-dia. Ela estava segurando um vaso de flores.
— Penn, estes são meus pais, Harry e Doreen Price — Luce disse, gesticulando. — Mãe e Pai, esta é...
— Pennywather Van Syckle-Lockwood — Penn respondeu formalmente, estendendo o vaso com as duas mãos. — Obrigada por deixar me juntar ao almoço.
Sempre educados, os pais de Luce a saudaram e sorriram, sem fazer perguntas sobre o paradeiro da própria família de Penn, coisa que Luce não teve tempo de explicar.
Era outro dia quente e claro. As árvores de salgueiro verde-ácido em frente à biblioteca balançavam suavemente com a brisa, e Luce dirigiu seus pais para a posição onde os salgueiros ocultavam a maioria das manchas de fuligem e as janelas manchadas pelo fogo. Quando eles estenderam a manta em uma área de grama seca, Luce puxou Penn de lado.
— Como você está? — Luce perguntou, sabendo que se ela fosse aquela a se sentar um dia inteiro homenageando os pais de todo o mundo, exceto os dela, ela iria precisar de um grande incentivo.
Para sua surpresa, Penn assentiu feliz.
— Isso já está muito melhor do que no ano passado! E é tudo por sua causa. Eu não teria ninguém hoje se você não tivesse vindo junto.
O discurso pegou Luce de surpresa e a fez olhar ao redor do pátio para ver como todos os demais estavam lidando com o evento. Apesar de que o estacionamento ainda estava meio vazio, o Dia dos Pais parecia acontecer pouco a pouco.
Molly sentou-se em uma manta próxima, entre um homem com cara de poucos amigos e uma mulher roendo avidamente uma coxa de peru. Ariane estava agachada sobre uma arquibancada, sussurrando a uma garota punk mais velha, com um hipnotizante cabelo rosa-choque. O mais provável é que seja sua irmã mais velha. Elas duas encontraram-se com o olhar de Luce e Ariane sorriu e acenou, em seguida, virou-se para a outra garota para sussurrar algo.
Roland tinha uma imensa festa de pessoas fazendo um almoço-piquenique em uma longa colcha. Eles estavam rindo e brincando, e uns poucos garotos mais jovens estavam atirando comida uns nos outros. Eles pareciam estar tendo um grande momento até que uma granada espiga de milho saiu voando e quase cegar Gabbe, que estava caminhando pelo pátio. Ela fez uma careta para Roland enquanto guiava um homem suficientemente velho para ser seu avô, dando-lhe palmadinhas no cotovelo, enquanto caminhavam em direção a uma fileira de cadeiras do gramado instituído ao redor do campo aberto.
Justin e Cam estavam notavelmente desaparecidos – e Luce não podia descrever como seus familiares poderiam ser. Por mais furiosa e envergonhada que ela estivesse depois que Justin lhe dera um fora pela segunda vez no lago, ela ainda estava morrendo de vontade de dar uma olhada em qualquer pessoa que estivesse relacionada a ele. Mas depois, pensando no fino arquivo de Justin na sala de arquivos, Luce se perguntou se ele ainda mantinha contato com alguém de sua família.
A mãe de Luce repartiu o queijo em quatro pedaços, e seu pai cobriu com a pimenta fresca em pequenos pedaços. Depois de uma mordida, a boca de Luce estava em chamas, exatamente da maneira como gostava. Penn não parecia familiarizada com a comida típica da Georgia com a que Luce tinha crescido. Ela parecia particularmente horrorizada pelo quiabo em conserva, mas assim que deu uma mordida, ela deu a Luce um surpreso sorriso de aprovação.
A mãe e o pai de Luce trouxeram com eles cada um dos pratos favoritos de Luce, inclusive o doce de amêndoa e noz da loja da rua de baixo. Seus pais comiam felizes cada um do lado dela, parecendo aliviados de preencher suas bocas com algo mais que falar de morte.
Luce deveria estar desfrutando de seu tempo com eles, e lavando tudo isso com seu amado chá doce da Georgia, mas ela se sentia como uma filha impostora fingindo que este almoço elíseo era normal na Sword & Cross. Todo o dia era uma farsa.
Ao som de uma curta, fraca roda de aplausos, Luce olhou pra as arquibancadas, onde Randy estava junto ao diretor Udell, um homem que Luce nunca tinha visto pessoalmente antes. O reconheceu do retrato excepcionalmente débil que estava pendurado no hall principal da escola, mas agora viu que o artista tinha sido generoso. Penn já lhe tinha dito que o diretor só aparecia no campus um dia no ano – o Dia dos Pais – sem exceções. Do contrário, ele era um recluso que não deixava sua mansão na Ilha Tybee, nem sequer quando um estudante da sua escola morre. A papada do homem parecia tragar seu queixo, seus olhos bovinos olhavam a multidão, não parecendo focar-se em nada.
Ao seu lado, Randy estava de pé, as mãos na cintura e com meias brancas. Ela tinha um sorriso engessado no rosto, e o diretor estava secando sua grande testa com um lenço. Ambos tinham suas caras de jogadores postas hoje, mas pareciam estar tomando muito esforço deles.
— Bem-vindos ao centuagéssimo quinquagésimo nono Dia dos Pais anual da Sword & Cross — o diretor Udell anunciou ao microfone.
— Ele está brincando? — Luce sussurrou para Penn.
Era dificil imaginar o Dia dos Pais durante do período anterior à guerra.
Penn revirou os olhos.
— Certamente um erro de digitação. Eu disse a você que conseguiram pra ele um novo par de óculos de leitura.
— Temos um dia longo e cheio de diversão em família programado para vocês, começando com este tranquilo piquenique...
— Normalmente só temos dezenove minutos — Penn interrompeu ao lado os pais de Luce, que ficaram rígidos.
Luce sorriu sobre a cabeça de Penn e murmurou:
— Ela está brincando.
— Agora vocês farão sua escolha de atividades. Nossa própria bióloga, a Sr. Yolanda Troz, fará uma palestra fascinante na biblioteca da flora local encontrada no campus. O treinador Diante supervisionará uma série de corridas amigáveis entre famílias aqui no campo. E o Sr. Stanley Cole oferecerá um histórico tour guiado de nosso apreciado cemitério de heróis. Vai ser um dia muito ocupado. E sim — o diretor Udell disse com um sorriso barato e cheio de dentes — Vocês serão testado nisso.
Era simplesmente o tipo de piada sem graça para ganhar alguns sorrisos artificiais dos membros visitantes das famílias. Luce revirou os olhos para Penn.
Esta tentativa deprimente de bom humor tornou claro que todos estavam aqui para se sentir melhor sobre deixar seus filhos nas mãos do corpo docente de Sword & Cross. Os Prices riram, também, mas ficaram olhando Luce por mais pistas sobre como lidar com isso.
Depois do almoço, as outras famílias ao redor do pátio empacotaram seus piqueniques e se retiraram para vários cantos. Luce teve a sensação de que muito poucas pessoas realmente participariam dos eventos programados pela escola. Ninguém tinha seguido a Sra. Tross para a biblioteca, e até agora só Gabbe e seu avô tinham entrado em um saco de batatas no outro lado do campo.
Luce não sabia para onde Molly, Ariane ou Roland tinham escapulido com suas famílias, e ela ainda não tinha visto Justin. Ela sabia que seus próprios pais estariam decepcionados se eles não vissem nada do campus e não participassem de nenhuma das atividades planejadas. Como o tour guiado do Sr. Cole pareciam ser o menor dos males, Luce sugeriu que recolhessem seus restos de comida e se unissem a ele nas portas do cemitério. Enquanto iam até lá, Ariane balançou para fora das arquibancadas como uma ginasta desmontando uma barra paralela. Ela parou aterrissando em frente ao pais de Luce.
— Oiiiiiiiii — ela cantou, dando sua melhor impressão de garota louca.
— Mãe e pai — Luce disse apertando seus ombros — esta é minha boa amiga Ariane.
— E esta... — Ariane apontou a garota alta, cebelo rosa-choque que estava descendo lentamente pelas escadas da arquibancada — é minha irmã, Anabelle.
Anabelle ignorou a mão estendida de Luce, e a arrastou para dentro de seus braços abertos, em um estendido, intimo abraço. Luce podia sentir seus ossos se cruzando. O intenso abraço durou tempo suficiente para que Luce começasse a se perguntar o que estava acontecendo, mas justo quando ela estava começando a se sentir incomodada, Anabelle a soltou.
— É tão bom conhecê-la — ela disse, pegando a mão de Luce.
— Igualmente — Luce respondeu, dando a Ariane uma olhada de relance.
— Vocês duas vão ao tour do Sr. Cole? — Luce perguntou a Ariane, que também olhava Anabelle como se ela fosse louca.
Anabelle abriu sua boca, mas Ariane rapidamente a cortou.
— Inferno não. Essas atividades são absolutamente patéticas — ela olhou para os pais de Luce. — Sem ofensa.
Anabelle deu de ombros.
— Talvez tenhamos uma oportunidade de alcançá-los depois! — respondeu à Luce, antes que Ariane a afastasse.
— Elas parecem ser legais — a mãe de Luce disse no tom de voz de sondagem que usava quando queria que Luce explicasse algo.
— Um, por que a garota estava tão interessada em você? — Penn perguntou.
Luce olhou para Penn e depois para seus pais. Ela realmente tinha que defender diante deles o fato de que alguém poderia gostar dela?
— Lucinda! — O Sr. Cole chamou, saudando da outra parte do vazio ponto de encontro nas portas do cemitério. — Por aqui!
O Sr. Cole apertou as mãos de seus pais fervorosamente, e até deu a Penn um aperto no ombro. Luce estava tentando decidir se devia estar mais irritada com a participação do Sr. Cole no Dia dos Pais ou estar impressionada por seu falso show de entusiasmo. Mas então ele começou a falar e a surpreendeu.
— Eu pratiquei o ano todo para isto — ele sussurrou. — Uma oportunidade para levar os estudantes ao ar livre e lhes explicar as muitas maravilhas deste lugar – oh, eu amo isso. É o mais próximo que um professor de reformatório pode conseguir de uma verdadeira viagem de campo. Claro que ninguém nunca se apresentou para meus tours nos anos anteriores, o que converte este em meu tour inaugural...
— Bem, nos estamos honrados — o pai de Luce disse, dando ao Sr. Cole um grande sorriso.
Imediatamente, Luce percebeu que não era só a fome de canhão de seu pai pela Guerra Civil que estava falando. Ele claramente sentia que o Sr. Cole era verdadeiro. E seu pai era o melhor juiz de caráter que ela conhecia.
Os dois homens já tinham começado a avançar em marcha pela entrada do cemitério. A mãe de Luce deixou a cesta de piquenique no portão e deu a Luce e a Penn um de seus bem-gastos sorrisos.
O Sr. Cole agitou uma mão para ter a atenção deles.
— Primeiro, um pouco de trivialidade. O que... — ele levantou a sobrancelha — vocês acreditam que é o elemento mais velho no cemitério?
Enquanto Luce e Penn olhavam para seus pés – evitando olhá-lo como faziam durante a aula – o pai de Luce ficou na ponta dos pés para dar uma olhada nas grandes estátuas.
— Uma pegadinha! — O Sr. Cole gritou, batendo nas portas de ferro forjado. — Esta parte frontal dos portões foi construída pelo proprietário original em 1831. Eles diziam que sua esposa, Ellamena, tinha um jardim adorável, e que queria manter as galinhas longe de seus tomates. — Ele riu. — Isso foi antes da guerra. E do rolo de pia. Prosseguiremos.
Enquanto caminhavam, o Sr. Cole recitou fato por fato sobre a construção do cemitério, o contexto histórico sobre o qual foi construído, e o “artista” – inclusive ele utilizou o termo vagarosamente – que tinha vindo com a escultura da besta alada no alto do monumento no centro da área. O pai de Luce bombardeou o Sr. Cole com perguntas enquanto que a mãe de Luce passava as mãos nas mais bonitas lápides, deixando sair um murmuro de “Oh Deus”.
Cada vez que ela parava para ler uma inscrição. Penn arrastava os pés atrás da mãe de Luce, possivelmente desejando ter se juntado a uma família diferente neste dia. Luce fechava a marcha, considerando o que podia acontecer se ela desse a seus pais seu tour pessoal do cemitério.

Aqui é onde eu servi minha primeira detenção... E aqui é onde um anjo caído de mármore quase me decapitou... E aqui é onde um estranho garoto do reformatório que vocês nunca aprovariam me levou ao piquenique mais estranho da minha vida.

— Cam — o Sr. Cole chamou, enquanto dirigia o tour ao redor do monumento.
Cam estava parado com um homem alto, de cabelo escuro em um terno de negócios preto feito sob medida.
Nenhum deles escutou o Sr. Cole ou viu a festa que ele estava fazendo ao dirigir o tour. Eles falavam e faziam gestos um pouco escondidos por um carvalho, da forma que Luce tinha visto seu professor de drama gesticular enquanto os estudantes estavam bloqueando uma cena de uma peça.
— Você e seu pai querem se unir tardiamente a nosso tour? — O Sr. Cole perguntou a Cam, desta vez mais audivelmente. — Vocês perderam quase tudo, mas ainda há um ou dois fatos interessantes que estou certo que posso contar.
Cam lentamente virou a cabeça em nossa direção, depois de volta para seu acompanhante, que parecia distraído. Luce não pensava que o homem, com sua altura clássica, escura, atrativa boa aparência e enorme relógio dourado parecia suficientemente velho para ser o pai de Cam. Mas talvez só envelhecesse bem. Os olhos de Cam deslizaram para o pescoço vazio de Luce e ele parecia brevemente decepcionado. Ela ruborizou, porque podia sentir sua mãe capturando toda a cena e se perguntando o que estava acontecendo.
Cam ignorou o Sr. Cole e se aproximou da mãe e Luce, levando as mãos dela a seus lábios antes que alguém pudesse apresentá-los.
— Você deve ser a irmã mais velha de Luce — ele disse elegantemente.
À sua esquerda, Penn sussurrou de uma maneira que só Luce podia ouvir.
— Por favor, me diga que alguém mais está com náuseas.
Mas a mãe de Luce parecia de algum modo deslumbrada, de uma forma que fazia Luce – e seu pai claramente – incomodados.
— Não, nós não podemos ficar para o tour — Cam anunciou, dando uma piscada para Luce e recuando exatamente como o pai de Luce aprovava. — Mas foi adorável — ele olhou para cada um dos três, excluindo Penn — encontrá-los aqui. Vamos pai.
— Quem era esse? — A mãe de Luce sussurrou quando Cam e seu pai, ou quem quer que seja, desapareceram pelo lado do cemitério.
— Oh, só um dos admiradores de Luce — disse Penn, tentando aliviar o ambiente e fazendo exatamente o contrário.
— Um dos? — O pai de Luce olhou para Penn.
Na luz do fim da tarde, Luce podia ver pela primeira vez alguns poucos fios grisalhos na barba de seu pai. Ela não queria gastar seus últimos momentos de hoje, convencendo seu pai a não se preocupar com os garotos de sua escola reformatória.
— Não é nada pai, Penn está brincando.
— Nós queremos que seja cuidadosa, Lucinda — ele disse.
Luce pensou no que Justin havia sugerido – muito fortemente – no outro dia. Que talvez ela não devesse estar na Sword & Cross. E de repente ela queria tão arduamente tocar no assunto com seus pais, pedir e implorar que a levassem para muito longe daqui.
Mas foi a mesma lembrança de Justin que fez com que ela segurasse sua língua. O emocionante toque da pele dele com a sua quando ela o empurrou no lago, a maneira em que seus olhos algumas vezes eram as coisas mais tristes que ela conhecia. Se sentia absolutamente louco e absolutamente verdadeiro que isso poderia valer todo esse inferno de Sword & Cross só para passar um pouco mais de tempo com Justin. Só para ver se algo mais poderia vir disso.
— Odeio despedidas — a mãe de Luce suspirou, interrompendo os pensamentos de sua filha para arrastá-la em um ligeiro abraço.
Luce olhou para seu relógio, e seu rosto se desfez. Ela não sabia como a tarde tinha passado tão rápido, como podia já ser o momento de vê-los ir embora.
— Você vai nos ligar na quarta-feira? — Seu pai perguntou, beijando suas bochechas da forma que o lado francês de sua família sempre fazia.
Enquanto todos eles caminhavam para o estacionamento, os pais de Luce apertaram as mãos dela. Cada um deles deu outro abraço e outra série de beijos. Quando eles sacudiram a mão de Penn e lhe desejaram que ficasse bem, Luce viu uma câmera fixada em um tijolo colocada em uma caixa quebrada na saída. Deve ser um detector de movimento conectado aos vermelhos, porque a câmera estava fazendo um panorama, seguindo seus movimentos. Esta não estava no tour de Ariane e certamente não era um vermelho morto. Os pais de Luce não notaram nada – e talvez fosse melhor assim.
Então eles se afastaram, olhando para trás duas vezes para se despedir das duas garotas na entrada do hall principal. Papai conduziu seu velho Chrysler New Yorker e abaixou a janela.
— Nós amamos você — ele disse tão audivelmente que Luce estaria envergonhada se ela não estivesse tão triste por vê-los partir.
Luce acenou de volta.
— Obrigada — ela sussurrou. Pelo doce de amêndoa e noz e o quiabo em conserva. Por gastar todo o dia aqui. Por receber Penn debaixo de suas asas, sem fazer perguntas. Por continuar me amando, apesar do fato de assustá-los.
Quando as luzes traseiras desapareceram na curva, Penn tocou as costas de Luce.
— Eu estava pensando em ir ver meu pai. — Ela chutou o chão com a ponta de sua bota e olhou timidamente para Luce. — Existe alguma chance de você querer vir? Se não, eu vou entender, considerando que isso envolve outra viagem pelo... — ela sacudiu seu polegar para trás, em direção as profundidades do cemitério.
— Claro que irei.

***

Elas caminharam ao redor do perímetro do cemitério, ficando no topo da margem até que haviam chegado no canto extremo oriente, onde Penn parou em frente a uma lápide. Era modesta, branca e coberta por uma camada amarelada de agulhas de pinheiro. Penn ficou de joelhos e começou a limpá-la.

STANFORD LOCKWOOD, dizia a simples lápide de pedra, O MELHOR PAI DO MUNDO.

Luce podia ouvir a comovedora voz de Penn por atrás da inscrição, e podia sentir as lágrimas chegando ao seus olhos. Ela não queria que Penn visse – depois de tudo, Luce ainda tinha seus pais. Se alguém deveria chorar neste momento deveria ser... Penn estava chorando. Ela estava tentando esconder com o mais suave dos fungados e algumas lágrimas derramaram na borda irregular de seu suéter. Luce ficou de joelhos também, e começou a ajudá-la a tirar as agulhas.
Ela colocou seus braços ao redor de sua amiga e a manteve o mais forte possível.
Quando Penn recuou e agradeceu a Luce, ela procurou em seu bolso e tirou uma carta.
— Eu normalmente escrevo algo pra ele — ela explicou.
Luce queria dar a Penn um momento a sós com seu pai, assim ela se levantou, deu um passo para trás e virou-se, descendo até o centro do cemitério. Seus olhos ainda estavam um pouco marejados, mas ela pensou que podia ver alguém sentado sozinho no topo do monumento. Sim. Um tipo com seus braços envolvidos ao redor de seus joelhos. Ela não podia imaginar como ele subiu até ali, mas ali estava ele.
Ele parecia rígido e solitário, como se estivesse ali o dia todo. Não tinha visto nem Luce ou Penn. Não parecia ver nada. Mas Luce não tinha que estar o suficientemente próxima para ver seus olhos cinza-violeta e saber quem era.
Todo esse tempo Luce esteve procurando explicações sobre o por que o arquivo de Justin era tão escasso, que segredo contem os livros perdidos de seus ancestrais na biblioteca, onde tinha viajado sua mente aquele dia que lhe perguntou por sua família. Porque ele é tão quente e tão frio com ela... sempre.
Com o emocionante dia com seus pais, o próximo pensamento de Luce a deixou quase de joelhos, de tristeza. Justin estava sozinho no mundo.

Continua...

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